11 de outubro de 2024

Por que furacões como o Milton perdem força quando tocam o solo

A principal razão pela qual esses fenômenos enfraquecem quando chegam à terra é que eles não estão mais localizados sobre a água. Entenda. Imagem de satélite mostra o Milton deixando a Flórida.
NOAA
O furacão Milton tocou o solo na Flórida na noite de quarta-feira (9), perdendo força, mas causando alagamentos em várias cidades e deixando um rastro de destruição, com 3 milhões de pessoas sem luz.
Segundo autoridades locais, pelo menos quatro mortes foram registradas. O olho do furacão já havia deixado a Flórida com ventos de cerca de 144 km/h.
Agora, o Milton segue em direção ao Oceano Atlântico, com a previsão de que se transforme em uma tormenta tropical.
Mas por que furacões perdem força quando tocam o solo?
“A principal razão pela qual os furacões enfraquecem quando chegam à terra é que eles não estão mais localizados sobre a água — e é a água morna do oceano que realmente alimenta e sustenta a tempestade”, diz Andra Garner, professora associada do Departamento de Ciências Ambientais na Universidade de Rowan (EUA).
Ou seja, de forma geral, dá para dizer que os furacões dependem da evaporação das águas quentes do oceano para se manterem “vivos”.
Dessa forma, ao atingir a terra, eles perdem essa fonte de energia vital. E como o ar sobre a terra é mais seco e contém mais partículas, isso também reduz a umidade no furacão.
Como resultado disso, a cobertura de nuvens diminui, e a circulação do ar é interrompida, o que dificulta o desenvolvimento das tempestades.
“Quando eles são cortados dessa fonte de combustível, eles normalmente começam a enfraquecer/dissipar ao longo do tempo”, acrescenta a pesquisadora.
Gráfico ilustra como a velocidade do vento diminui rapidamente quando um furacão atinge a terra. Eixo X mostra o período de tempo depois que o ciclone atinge a terra.
NOAA
Além disso, quando um furacão se desloca para latitudes médias (entre as latitudes tropicais), ele encontra águas mais frias, o que provoca um enfraquecimento adicional. Isso ocorre porque a água fria não fornece o calor necessário para sustentar a tempestade.
Outro fator importante é o cisalhamento vertical do vento, que é a mudança na direção ou na velocidade do vento em diferentes altitudes. Esse fenômeno pode misturar ar seco à tempestade, o que dificulta a intensificação do furacão.
“Para ganharem força, os furacões precisam de um oceano muito quente para usar de combustível. Então, quanto mais quente o oceano, mais forte deve ser a tempestade”, diz Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo.
AO VIVO: Acompanhe as últimas atualizações sobre o furacão Milton
Um baixo cisalhamento vertical favorece a formação de furacões, já que a velocidade e a direção do vento não mudam muito ao longo da troposfera, a camada mais baixa da atmosfera onde ocorrem os ciclones tropicais
Já um alto cisalhamento (como ocorre Atlântico Sul, na costa do Brasil) dificulta seu crescimento e pode fazer com que ele se enfraqueça ao invés de se fortalecer.
O que alimenta o furacão é a água quente do oceano. Quando ele atinge o solo, encontra mais obstáculos e não tem essa fonte de calor, o que resulta em uma rápida perda de intensidade. Não conheço nenhum caso em que isso aconteça de forma inversa. Por exemplo, um furacão pode estar na categoria 4 e, ao tocar a ilha de Cuba, cair para a categoria 2. Porém, se depois disso ele voltar ao oceano, pode se intensificar novamente.
Como se formam os furacões?
Os furacões – ou ciclones tropicais, como são chamados pelos meteorologistas – são sistemas de baixa pressão atmosférica. Isto é, grandes massas de ar que giram em torno de um centro de baixa pressão intenso, provocando condições climáticas adversas em grande escala.
🌪️De forma menos técnica, o ciclone “puxa” o ar quente e úmido da superfície e joga para cima, formando nuvens de chuva.
Isso acontece porque o ar quente e úmido sobre o oceano sobe, criando a área de baixa pressão. O ar das áreas ao redor, com maior pressão, se move para essa área, aquecendo-se e subindo também. À medida que o ar quente sobe e se resfria, ele forma as nuvens.
🌩️🌩️Desse modo, todo o sistema de nuvens e ventos gira e cresce, alimentado pelo calor e pela evaporação do oceano.
Por isso, ciclones tropicais só se formam nas águas quentes do oceano próximas à Linha do Equador a pelo menos 5° – 30° de latitude norte ou sul da linha imaginária, onde a temperatura do mar é de pelo menos 27ºC.
Trajetória de todos os ciclones tropicais que se formaram no mundo entre 1950 e 2005.
NASA/National Hurricane Center
As águas aquecidas são justamente o que favorece o fortalecimento de furacões na região da Flórida, por exemplo. O estado, localizado na curva do Golfo do México, é diretamente impactado pela Corrente do Golfo.
“A Corrente do Golfo é uma corrente muito quente e super importante no mundo. Ela transporta água quente, se tornando um caminho favorável para os furacões”, comenta Luengo.
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Pior temporada de furacões
Apesar das temporadas de furacões ocorrerem anualmente nos Estados Unidos, o rápido aumento da intensidade desses fenômenos e a frequência com que eles têm se formado chama a atenção dos especialistas.
👉Os eventos recentes mostram o que pode ser a pior temporada de furacões da história, com fenômenos muito intensos e grande potencial de destruição.
O furacão Milton, por exemplo, se tornou a terceira tempestade mais rapidamente intensificada no Atlântico com a reclassificação feita na segunda (7)
Imagem de satélite mostra furacão Milton na região do Golfo do México, a caminho da Flórida
CIRA/NOAA/Handout via Reuters
De acordo com o meteorologista, esse cenário é favorecido por dois fatores principais:
Aquecimento dos oceanos, principalmente do Oceano Atlântico
Um estudo publicado na revista científica “Scientific Reports”, em 2023, sugeriu que as tempestades originadas no Oceano Atlântico têm mais que o dobro de probabilidade de se fortalecerem da categoria 1 para a categoria 3 em apenas 36 horas do que o observado entre 1971 e 1990.
O levantamento também estimou que os fenômenos no Atlântico têm 29% mais probabilidade de sofrer uma rápida intensificação – como aconteceu com o furacão Milton.
E essa intensificação tem relação direta com o aquecimento do oceano. Isso porque, quanto mais aquecidas estão as águas, mais combustível os furacões têm pra se intensificar rapidamente.
“O aquecimento global tem feito com que as anomalias dos oceanos sejam mais acentuadas. A gente está tendo os oceanos cada vez mais quentes, com ondas de calor marítimas mais quentes e frequentes”, observa Luengo.
Com os oceanos mais quentes, a tendência é que os furacões tenham mais facilidade em ganhar força.
Por que as temporadas de tempestades tropicais explodem cada vez mais cedo e mais fortes
Transição para o La Niña
Luengo também explica que a transição para o La Niña contribui para uma quantidade maior de furacões.
“Em anos de La Niña, tradicionalmente tendemos a ter mais furacões, especialmente porque o fenômeno diminui o cisalhamento vertical dos ventos na atmosfera”, analisa o meteorologista.
⬆️O cisalhamento vertical nada mais é como o vento muda de velocidade e direção em relação à altura.
No caso dos furacões, um baixo cisalhamento favorece a formação do fenômeno porque a velocidade e a direção do vento não mudam ao longo da troposfera, camada mais baixa da atmosfera, onde ocorrem os ciclones tropicais.
Apesar de o La Niña ainda não estar configurado, com 71% de probabilidade de surgirem condições para o fenômeno até novembro, já há uma tendência de resfriamento da atmosfera, com menos cisalhamento.
De acordo com o relatório da Agência de Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês) de 7 de outubro, a faixa do Niño 3.4, utilizada como referência para análise das anomalias do oceano, está com um resfriamento de 0,3ºC.
❄️O La Niña ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico. Ele é estabelecido quando há uma diminuição igual ou maior a 0,5°C nas águas do oceano. O fenômeno acontece a cada 3 ou 5 anos.
Pesquisadores voam no olho do furacão Milton, de categoria 5

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