19 de novembro de 2024

Por que um objetivo final é chamado de ‘Santo Graal’?

Neste artigo, a professora de Estudo Religiosos, Joanne M. Pierce, discute os significados e a história do Santo Graal. Santo Graal
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Durante décadas, a conquista de uma medalha olímpica foi descrita como o “Santo Graal” dos esportes.
Os atletas não são os únicos em busca desta transcendente distinção. Por exemplo, em 2012, quando os físicos descobriram o bóson de Higgs – uma partícula vista como um dos blocos de construção fundamentais do Universo -, ele foi descrito como “um verdadeiro Santo Graal.” Da mesma forma, muitos entusiastas de automóveis listam vários carros colecionáveis como “Santo Graal” porque são tão raros que é um verdadeiro desafio encontrá-los.
Em geral, as pessoas referem-se a uma meta que parece quase impossível de ser alcançada com essa mesma metáfora. Mas, tecnicamente, o termo significa especificamente o cálice que Jesus usou na Última Ceia. Afinal, o que é exatamente a busca pelo Santo Graal?
Como especialista em história cristã medieval, sei que várias linhas importantes se combinaram ao longo dos séculos para dar origem a esse simbolismo de origem medieval comumente usado hoje em dia. Isso inclui elementos da mitologia pré-cristã, a veneração de relíquias na tradição cristã e a literatura da Idade Média da Grã-Bretanha e da França.
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Rei Arthur e a Távola Redonda
A primeira lenda completa do Santo Graal, como a conhecemos hoje, vem da Grã-Bretanha do século XV. Em “Le Morte d’Arthur” (“A morte de Arthur”), o escritor inglês Thomas Malory descreveu em detalhes as virtudes do herói mítico Rei Arthur e os feitos dos Cavaleiros da Távola Redonda, como Sir Lancelot e Sir Gawain.
Em algumas aventuras, uma donzela carregando o Santo Graal, chamado Sangreal, aparece misteriosamente em certos castelos. Ele fornece alimento para os saudáveis e cura os feridos que bebem dele. Mas na corte do Rei Arthur, o poderoso cálice desaparece após um banquete, e todos os cavaleiros juram sair em busca dele.
Uma profecia anterior previa que um jovem cavaleiro, Sir Galahad, seria o único a encontrar o Graal. Acredita-se que ele seja descendente de José de Arimateia, uma figura bíblica que enterrou Jesus após sua crucificação e foi considerado puro o suficiente para encontrar o essencial objeto. No final, Galahad o localiza, mas seu sucesso não dura muito porque sua alma é levada para o céu junto com o Graal.
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A lenda de Malory foi alimentada por um interesse europeu reacendido pela Terra Santa e nos eventos históricos da vida de Jesus durante a época das Cruzadas, do final do século XI ao final do século XIII. Ao compô-la, ele reuniu vários elementos da mitologia celta pré-cristã e da prática devocional cristã.
Dois temas que Malory tece na lenda do Santo Graal são a busca heroica e o prato ou taça mágica de cura.
A mitologia celta contém histórias sobre heróis que fazem jornadas árduas para alcançar um objetivo. Uma lenda da mitologia irlandesa primitiva, “The Quest of the Sons of Turenn” (“A busca dos filhos de Turenn”), conta a história de uma viagem épica de três irmãos que matam um líder guerreiro, Ciran, inimigo de seu pai, Turenn. Mais tarde, eles admitem a culpa ao filho de Ciran, o guerreiro divino Lugh. Este, então, pede uma compensação pelo assassinato do pai e exige que eles partam em uma perigosa missão para encontrar vários objetos simbólicos como pagamento.
A mitologia irlandesa e galesa também se referia a objetos mágicos, como pratos fundos ou xícaras que podiam curar os feridos com comida ou bebida, como o Santo Graal faz na lenda do Rei Arthur de Malory.
O Graal como uma relíquia cristã
Depois que o cristianismo se espalhou da Terra Santa para a antiga Gália – a atual França fazia parte dessa área – e para a Grã-Bretanha romana no século IV, elementos de lendas pré-cristãs começaram a se misturar à literatura cristã.
Os visitantes da Terra Santa durante esses primeiros séculos medievais trouxeram de volta muitos objetos para veneração, chamados de relíquias, especialmente aqueles supostamente associados à vida de Jesus. Ainda hoje, várias igrejas europeias afirmam ter o berço de Jesus, os pregos reais usados em sua crucificação ou partes da coroa de espinhos colocada em sua cabeça.
Mas não havia nenhuma menção ao Graal, supostamente o cálice que ele usou na Última Ceia, como uma relíquia da vida de Jesus nesses primeiros séculos. Os relatos iniciais sobre o Rei Arthur, da nona e da décima segunda histórias da Grã-Bretanha, também não mencionam o Santo Graal.
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A história antiga do Graal
A primeira menção de busca pelo Santo Graal é encontrada em um poema francês do final do século XII de Chretien du Troyes, chamado “Perceval, Le conte du Graal”. Nele, um jovem cavaleiro, Percival, encontra uma estranha procissão enquanto janta como convidado em um castelo estrangeiro. Uma jovem aparece carregando o que é descrito como um graal dourado e brilhante, decorado com pedras preciosas. A palavra original usada poderia se referir a um tipo de prato fundo, bem como a uma xícara (tal e qual a mitologia galesa e irlandesa citada acima).
Esse objeto não é especificamente identificado com o cálice da Última Ceia, mas é a primeira menção na literatura cristã de um vaso especial chamado de graal ou “grail”.
Posteriormente, o Santo Graal aparece em um poema do início do século XIII, escrito por Robert de Boron, agora ligando especificamente o Graal a um discípulo de Jesus, José, da cidade judaica de Arimateia.
Em todos os quatro Evangelhos, ele pede o corpo de Jesus para enterrá-lo em um túmulo. Seu pedido foi atendido, provavelmente, porque ele era um homem rico ou um membro do conselho governante judeu, o Sinédrio.
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Nessa época, outras lendas também estavam circulando. Dizia-se que José era parente de Jesus e que havia recebido a custódia do Santo Graal após a ressurreição. Como ele havia viajado para a Grã-Bretanha como comerciante de estanho, os apóstolos lhe pediram que levasse o Santo Graal em segredo para Glastonbury para escondê-lo.
Quando Malory compôs sua versão da lenda do Rei Arthur no século XV, ele reuniu todos esses elementos anteriores: o cálice sagrado, ou Graal, que Jesus usou na Última Ceia, sua presença como relíquia sagrada na Grã-Bretanha, o Rei Arthur e seus cavaleiros imaginando uma busca para encontrá-lo e sua descoberta por um herói puro, ele próprio, descendente de José de Arimateia.
Um verdadeiro Santo Graal?
Uma pintura com motivos florais nas bordas, enquanto no centro há um cálice com dois pássaros sentados em sua borda.
A veneração de relíquias ainda é uma parte importante da devoção católica. Atualmente, duas igrejas na Espanha afirmam ter o verdadeiro Santo Graal: Valência e, desde 2014, León. Outros remontam às primeiras pinturas medievais da igreja na Espanha, de Maria segurando uma taça brilhante. E ainda há os que enfatizam que o Graal é “um objeto literário”.
A influência que a lenda do Santo Graal teve na cultura contemporânea, especialmente em romances e filmes, talvez seja mais importante do que suas origens. Em alguns filmes de Hollywood, como “Os Caçadores da Arca Perdida” e “O Código Da Vinci”, o Santo Graal é o objeto real procurado.
Em outros, a busca é alterada, concentrando-se em outros objetos poderosos ou em destruir uma ou mais peças perigosas, já que elas têm o potencial de causar um grande mal em vez de um grande bem. A procura pelo cálice sagrado foi até mesmo ridicularizada na comédia “Monty Python e o Santo Graal”.
Hoje em dia, o Santo Graal ainda é uma metáfora poderosa para uma conquista suprema e muito desejada, que está além do alcance de todos, exceto de alguns poucos resolutos e merecedores. Afinal, alguns atletas olímpicos ganham medalhas, alguns físicos descobrem partículas subatômicas teóricas e raros colecionadores de automóveis encontram aquele carro único.
*Joanne M. Pierce é professora emérita de Estudos Religiosos na College of The Holy Cross.
**Este texto fui publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.
Papiro antigo sobre a infância de Jesus

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