1 de fevereiro de 2025

Praia do Futuro: maior maresia do mundo causa prejuízo de R$ 12 mil por ano e deixa carros enferrujados


Equipamentos danificados dentro da própria casa e manutenção constante para retardar o processo de corrosão estão entre as principais preocupações de quem vive na região. Maresia causa prejuízo aos moradores da Praia do Futuro
A cada seis meses, Samuel de Castro Santiago, de 43 anos, proprietário de uma pousada localizada no bairro Praia do Futuro I, em Fortaleza, gasta cerca de R$ 6 mil em manutenções por desgastes nos móveis e eletrodomésticos. O motivo do alto valor e da frequência é o nível de agressividade da corrosão dos aparelhos provocada pela maresia.
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Uma pesquisa conduzida pelo professor Eduardo Cabral, coordenador do Laboratório de Materiais de Construção Civil (LMCC) do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC), revelou que a Praia do Futuro possui a maior maresia do mundo, devido à incidência de ventos na região. A maresia é uma névoa fina e úmida formada por gotículas do mar e levada pelo vento.
O estudo foi realizado em 2018 e tinha como objetivo classificar o nível de agressividade ambiental por meio da presença de íons cloro no ar. Para a medição, foi utilizado o método da vela úmida, um dispositivo formado por um tubo de PVC coberto por gaze cirúrgica, conectado a um frasco com solução líquida, onde os cloretos são absorvidos.
Foram 46 pontos de coleta distribuídos pela cidade, priorizando a faixa litorânea.
A coleta aconteceu mensalmente por 12 meses e os dados foram analisados no LMCC.
Pesquisa publicada em 2018 revelou que a Praia do Futuro, em Fortaleza, possui a maior maresia do mundo.
Nilton Alves
A pesquisa revelou que a Praia do Futuro é a região mais agressiva em termos de deposição de íons cloro no ar, um dos principais componentes da maresia, superando outras cidades brasileiras e internacionais. Antes, São Francisco do Sul (SC) registrava a maior maresia do Brasil. Contudo, o estudo descobriu que a concentração média da Praia do Futuro é mais que o dobro da cidade catarinense.
No cenário internacional, a Praia do Futuro também se destaca. Quando comparada com locais que adotaram metodologias semelhantes, ela é 87,34% mais agressiva que a Nigéria, a segunda colocada, e 5149,63% mais que a Espanha, a última colocada no ranking divulgado pela pesquisa.
A elevada deposição de íons de cloro tem implicações diretas na corrosão de estruturas e materiais expostos. Marcos Moura, de 55 anos, é dono de uma oficina mecânica e mora na Praia do Futuro há 30 anos. Manter as ferramentas em boas condições é praticamente impossível, segundo ele, já que a maresia deixa os equipamentos completamente enferrujados. “De três a seis meses [após a compra], as ferramentas ficam cheias de ferrugem”, conta.
As ferramentas do mecânico Marcos Moura, morador da Praia do Futuro, sofrem com a alta intensidade de maresia da região e rapidamente ficam enferrujadas
Arquivo pessoal
E não é apenas a oficina que sai prejudicada. Os próprios clientes vão até o local em busca de soluções para veículos danificados por conta da corrosão. “É todo dia. De manhã, quando a gente passa a mão no carro, é puro sal”, relata.
A psicóloga Rosita Vidal, de 67 anos, mora há quase dois anos na região e cita os prejuízos que já teve por viver próximo à Praia do Futuro. “Meu carro com menos de seis meses está com muita ferrugem na parte inferior do veículo. Minha TV com menos de dois anos simplesmente apagou a imagem”, comenta.
Entenda o impacto da maresia
Forte maresia na Praia do Futuro reduz tempo de vida útil de objetos metálicos
Reprodução
Regiões litorâneas sofrem os maiores impactos da maresia. Quanto mais perto do mar, maior a corrosão de estruturas, veículos e eletrônicos. O professor Pedro Lima, do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da UFC, explica como ocorre o fenômeno:
A maresia é o ar carregado de gotículas de água salgada;
O fenômeno acontece a partir da arrebentação das ondas do mar;
As gotículas são arrastadas pelo vento para o continente;
Por meio do vento, as partículas são depositadas nas superfícies que alcançam, sejam aparelhos eletrônicos ou estruturas de concreto.
Cabral explica que a forte incidência de ventos em Fortaleza faz com que a cidade tenha uma maresia mais penetrante.
Como a gotícula é muito leve, o vento consegue levar essa gotícula para dentro do continente. Como em Fortaleza tem uma incidência de ventos muito grande, aí essas gotículas conseguem penetrar bem no continente.
➡️ É a partir dessa ação que ocorre o processo de corrosão. “Quando se tem uma solução salina depositada numa superfície metálica, há aí, um meio condutor para passagem de cargas elétrica (elétrons). Portanto, a corrosão é um processo eletroquímico, pois a gotícula salina depositada na superfície metálica será o meio que promoverá uma reação de oxidação metálica (corrosão) e a redução do oxigênio presente no ar que levará a formação de óxidos metálicos”, explica Pedro Lima.
Quando o sal e a água do mar se depositam em um metal, formam uma solução que conduz eletricidade;
Isso cria um ambiente propício para a passagem de elétrons, iniciando um processo de corrosão;
A corrosão acontece porque o metal perde elétrons (oxidação), se desgastando.
Ao mesmo tempo, o oxigênio do ar ganha esses elétrons (redução), formando óxidos metálicos, como a ferrugem.
Esse processo é chamado de corrosão eletroquímica, pois envolve reações químicas ligadas à eletricidade.
Apesar de se beneficiarem da vista para o mar ou aproveitarem a chegada constante de turistas em um dos principais pontos turísticos da capital do Ceará, os moradores e empresários da região da Praia do Futuro precisam lidar com os efeitos da maresia, que impactam equipamentos e estruturas.
Danos aos eletrodomésticos e materiais metálicos
Objetos metálicos são rapidamente corroídos próximo à Praia do Futuro, em Fortaleza
Reprodução
Conforme Cabral, o alto teor de cloro presente na maresia gera a corrosão ao aderir às superfícies de objetos metálicos. Os resultados são eletrodomésticos com manchas de ferrugem e até perda da funcionalidade dos equipamentos.
“Os ares-condicionados são os mais atingidos, pois ficam expostos à maresia e à ventilação externa. Mas TV, notebook, micro-ondas, frigobar, geladeira, máquina de lavar, com menos de três meses já aparecem pontos de ferrugem”, detalha Santiago.
O professor Pedro Lima, do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da UFC, aponta que os materiais metálicos, sejam aqueles utilizados na construção civil, na montagem de aparelhos eletrodomésticos, ou nas estruturas metálicas, estão susceptíveis à corrosão. Porém, há opções mais resistentes.
“Nem tudo está perdido. O alumínio anodizado e selado, um material que tem uma boa resistência à corrosão em regiões litorâneas, o aço inoxidável também é um material metálico bastante resistente à corrosão e, consequentemente, poderia ser usado na região litorânea, entretanto, este material possui a inconveniência de ser muito caro”, declara.
Lima também recomenda, quando possível, a preferência por materiais não metálicos nas regiões litorâneas, incluindo a madeira, a cerâmica, o vidro e os polímeros (PVC).
Como cuidar dos equipamentos
Material metálico não resiste à rápida corrosão devido à alta maresia na Praia do Futuro
Reprodução
Para prolongar a vida útil dos eletrodomésticos e retardar o processo de corrosão, o professor esclarece que é essencial aderir a boas práticas de limpeza.
Lima recomenda uma limpeza frequente com pano úmido e detergente neutro para eliminar os agentes corrosivos que se acumulam nas superfícies dos móveis. Para madeiras, o uso de lustra-móveis é recomendado após a limpeza.
No caso dos eletrodomésticos, a recomendação é passar vaselina líquida na superfície dos aparelhos. “Esse produto ajuda na preservação e impede a corrosão pelos sais existentes nas gotículas de solução salina que são carreadas para os ambientes domésticos pelos ventos”, explica. Também é sugerido o uso de capas de tecidos de textura forte para cobrir os equipamentos.
“Caso algum ponto de corrosão seja identificado em algum eletrodoméstico, a sugestão é removê-los cuidadosamente com uma lixa fininha, seguido de aplicação de algum produto específico antioxidante ou mesmo pintura com uma tinta, que poderá ser, se for uma pequena região, a tinta de esmalte de unha.”
Estruturas de ferro, como portões e grades, podem ser melhor preservadas por meio de pinturas com pigmento anticorrosivo. Quando houver a necessidade de usar pregos, Lima recomenda usar os de aço inoxidável.
Forte vento que atinge diretamente a Praia do Futuro é um dos fatores para a alta incidência de maresia na região
Reprodução
Permanência
Apesar dos desafios de morar na região, há moradores que não trocariam os ventos e a vista da Praia do Futuro pela chance de se ver livre dos efeitos da alta maresia. É o caso da esteticista Tati Cintra, de 24 anos, que mora na região há quatro anos.
Ela já viu equipamentos serem danificados tanto em sua residência como na dos moradores do mesmo condomínio. Segundo a esteticista, a porta da sua geladeira chegou a cair devido aos danos provocados pela corrosão. Hoje, ela afirma que aprendeu os macetes para prolongar a vida útil dos eletrodomésticos e acredita que é possível manejar a situação para aproveitar os benefícios de morar próximo à praia.
“Independentemente dos fatores da maresia, não é um critério para as pessoas que moram aqui não morar. A gente consegue manejar bem a maresia e tem crescido muito os empreendimentos aqui, apesar disso. A vista, a ventilação, o clima favorecem a permanência”, aponta.
A diretora comercial Yahaná Araujo, de 33 anos, compartilha da mesma opinião. Ela mora há quatro anos na Praia do Futuro e já viu a maresia corroer placas de circuito e outros componentes da sua televisão. Móveis projetados também foram danificados, ficando com dobradiças enferrujadas e madeira inchada.
Para evitar maiores estragos, a diretora comercial segue uma rotina diária de limpeza. Contudo, ela ressalta as vantagens de se morar na região.
“Apesar deste ponto negativo, que é a corrosão, eu gosto muito de morar aqui. A beleza natural, a tranquilidade da região e claro, o mar, que é uma fonte constante de inspiração e tranquilidade. A vista diária para o oceano não tem preço que pague. Aqui é qualidade de vida total”, declara.
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