11 de outubro de 2024

Práticas de conversão sexual podem aumentar risco de problemas de saúde mental, aponta estudo

Sintomas de depressão, transtorno de estresse pós-traumático e pensamentos e comportamentos suicidas foram mais identificados em pessoas que se lembravam de experiências em algum tipo de terapia de conversão. Pessoas LGBTQIA+ que passaram por práticas de conversão tendem a ter mais problemas de saúde mental.
JL Rosa/SVM
Pessoas LGBTQIA+ que passaram por práticas de conversão sexual têm mais chances de enfrentar problemas de saúde mental. Isso é o que aponta um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Stanford publicado na revista científica The Lancet Psychiatry.
➡️No universo da pesquisa, feita nos EUA, as práticas não se resumem ao trabalho de profissionais como psicólogos ou psicanalistas. De acordo com o estudo, elas podem incluir:
Encorajamento persistente de estilos de vida cisnormativos ou héteros por meio de orações;
Exorcismos;
Prescrição de medicamentos para reduzir a libido;
Fornecimento de terapias de conversação para alinhar a identidade de gênero com o sexo atribuído no nascimento.
➡️ As práticas (ou terapias de conversão) se baseiam na ideia de que a orientação sexual de uma pessoa pode e deve ser alterada. As ações têm como objetivo transformar pessoas que se identificam como gays, lésbicas, bissexuais e trans em cisgêneros.
O estudo analisou questionários preenchidos por 4.426 pessoas LGBTQIA+ nos Estados Unidos e as descobertas dos pesquisadores sugerem maiores sintomas de depressão, transtorno de estresse pós-traumático e pensamentos e comportamentos suicidas entre indivíduos LGBTQIA+ que foram submetidos a práticas de conversão, destacando seu profundo impacto emocional e mental.
Nguyen Tran, pesquisador em saúde LGBT do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Stanford e principal autor do estudo, comenta que a pesquisa pode ajudar a aumentar a conscientização sobre as consequências dessas terapias na saúde mental.
“Ao documentar essa associação, o estudo ressalta a necessidade urgente de suporte à saúde mental e esforços mais amplos para prevenir essas práticas prejudiciais”, analisa Tran.
Os resultados também indicaram que líderes ou organizações religiosas tendem a liderar práticas voltadas para mudança de orientação sexual. Já organizações de saúde mental geralmente conduzem tentativas de alterar a identidade de gênero.
👉Enquanto identidade de gênero é a forma como a pessoa se identifica, como se relaciona com o próprio corpo, a orientação sexual diz respeito à maneira como ela se relaciona com outras pessoas.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) as terapias de conversão não possuem justificativa médica e representam uma grave ameaça à saúde e aos direitos humanos das pessoas afetadas.
“Com base nas descobertas, recomendamos legislação e políticas públicas que proíbam práticas de conversão para indivíduos LGBTQIA+”, comenta Nguyen Tran.
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Práticas de conversão no Brasil
No Brasil, as práticas de conversão são proibidas por resoluções do Conselho Federal de Psicologia. A principal resolução que fundamenta a defesa dos diretos LGBTQIA+ é a Resolução nº 01/1999.
➡️Nela, formalizou-se, entre outros pontos, que:
A forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
A homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio nem perversão.
A partir desse entendimento, psicólogos não devem colaborar com serviços que proponham tratamento e cura para a homossexualidade.
Nguyen Tran comenta que, apesar de o estudo fornecer evidências significativas sobre o impacto das práticas de conversão nos Estados Unidos, é importante reconhecer as diferenças sociais e culturais quando se trata do Brasil.
“O cenário cultural, legal e religioso distinto do Brasil pode moldar como as práticas de conversão ocorrem e são vivenciadas por indivíduos LGBTQIA+ de maneiras diferentes da realidade dos EUA”, compara.
Em 2022, o um projeto de lei foi protocolado com o objetivo de criminalizar a terapia de conversão no Brasil. A pena prevista seria de seis meses a dois anos de detenção. O projeto ainda não foi aprovado e está em tramitação na Comissão Constituição de Justiça e Cidadania.
Carmita Abdo, psiquiatra e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, comenta que a prática clínica com pessoas LGBTQIA+ demonstra um cenário preocupante com relação à saúde mental.
“O que se percebe é que, sem dúvida, em grande proporção essa população apresenta problemas de depressão e ansiedade em uma prevalência maior do que a população em geral”, analisa.
A especialista ainda acrescenta que, quanto mais negativo for o ambiente em que essa pessoa está inserido, mais ela vai se sentir sozinha e desamparada, o que interfere diretamente na saúde mental.
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Educação e acompanhamento psicológico
Além da necessidade de leis que proíbam as práticas de conversão, Tran destaca a importância de políticas que garantam que profissionais de saúde mental forneçam cuidados de afirmação LGBTQIA+ – além de proibi-los de endossar terapias de conversão, como já acontece no Brasil.
“Campanhas de conscientização pública destinadas a educar comunidades e famílias sobre os danos à saúde mental dessas práticas também são essenciais”, reforça.
Carmita também ressalta que a educação é um ponto fundamental para que a sociedade passe a tratar temas como sexualidade e as diferentes orientações sexuais de forma mais natural.
Ainda que os problemas de saúde mental sejam vistos de maneira mais aberta atualmente, ela ainda alerta que, quando se trata da população de LGBTQIA+, ainda há muito trabalho a ser feito.
“A discriminação, ao longo de tanto tempo, não é resolvida com somente duas décadas de políticas inclusivas”, afirma.
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