Projeto de autoria do vereador não reeleito Arnaldo Barros (Podemos) defende a disponibilização do livro religioso para consulta facultativa de alunos. Promotor de defesa dos direitos humanos apontou, em julho, inconstitucionalidade do texto, baseado em decisão do STF. Segundo a Secretaria de Educação, não existem restrições ou empecilhos à utilização de livros religiosos como ferramentas pedagógicas. Projeto foi aprovado durante sessão nessa terça-feira (22)
Reprodução/Youtube
O prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom (PL), sancionou, nessa segunda-feira (11), o projeto de lei batizado como Bíblia nas Escolas, que “autoriza” a disponibilização da Bíblia cristã nas bibliotecas das redes pública e particular da capital acreana. O projeto, de autoria do vereador não reeleito Arnaldo Barros (Podemos), que também é pastor, ainda não foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE).
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À época da aprovação do projeto pela Câmara dos Vereadores, em outubro deste ano, a Secretaria Municipal de Educação (Seme) esclareceu ao g1 que não há qualquer tipo de proibição ou restrição a livros religiosos nas escolas municipais. (Veja mais abaixo)
Prefeito sancionou projeto durante solenidade nessa segunda-feira (11)
Marcos Araújo/Assecom
O texto defende a disponibilização do livro religioso para consulta facultativa de alunos, e é uma versão alterada de um projeto semelhante, também de autoria de Barros, apresentado em julho deste ano.
Naquele mês, o Ministério Público do Acre (MP-AC) recomendou à prefeitura que vetasse a lei caso chegasse à mesa do prefeito Tião Bocalom (PL) por ser inconstitucional. (Entenda melhor mais abaixo)
O g1 tentou contato com o MP para saber o posicionamento sobre o novo projeto e não obteve retorno até a última atualização desta reportagem
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Durante a solenidade organizada por Bocalom para sancionar o projeto, o prefeito ressaltou o caráter facultativo da lei.
““A minha sanção é porque não se trata de nada obrigatório, é facultativo. Agora nós vamos proibir as pessoas de poderem tratar das coisas? Se ele quer, tem a fé, ele acredita. Nós vamos proibi-los? Jamais. Então é por isso que eu fiz a sanção e é uma coisa de princípios cristãos. Eu sou um homem regido pelos princípios cristãos e isso para mim faz parte dos meus princípios e estarei sempre à disposição de defesa dos princípios cristãos”, disse.
Texto da lei aprovada
“A utilização da Bíblia como recurso facultativo, por meio de consulta nas bibliotecas municipais, terá como objetivo exclusivo o enriquecimento do aprendizado dos alunos, contribuindo para o desenvolvimento de valores éticos, morais e culturais”, afirma o parágrafo segundo do texto aprovado.
Ainda segundo o projeto, a utilização da Bíblia será opcional mediante autorização prévia dos responsáveis legais. Além disso, o texto determina que o recurso seja aplicado como ferramenta educacional, sem “proselitismo religioso”.
Na sessão que aprovou o PLO, o parlamentar declarou que o projeto vai mudar a história da capital acreana.
“Esse é um momento muito nobre, porque esta casa está aprovando um projeto que traz oportunidades para que nossos filhos, adolescentes nas salas de aula, ouçam falar do livro dos livros, que é a Bíblia nas escolas. Projeto esse que vai ser sancionado pelo prefeito Bocalom, e esta casa está de parabéns, esta casa é feita de homens nobres, mulheres nobres, e cremos que este projeto vai mudar a história da nação rio-branquense [sic], disse.
Projeto inconstitucional
O primeiro projeto elaborado por Barros tratava sobre a leitura da Bíblia como “recurso paradidático”, que seria facultativa, e poderia ser feita durante as aulas. O texto original não mencionava a disponibilização da Bíblia nas bibliotecas escolares.
“Art. 4º As atividades de leitura da Bíblia deverão ser desenvolvidas de maneira interdisciplinar, podendo ser incluídas em disciplinas como Língua Portuguesa, História, Filosofia, Sociologia, entre outras”, afirma o texto anterior.
Este projeto foi apresentado no dia 12 de julho. No Diário Eletrônico do MP do dia 18 daquele mês, o promotor de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, Thalles Ferreira Costa, emitiu uma recomendação ao prefeito Bocalom para que vetasse o texto, caso fosse aprovado.
Costa argumentou que privilegiar um livro religioso ignora o pluralismo presente na sociedade brasileira, e que a Constituição prevê que a função da República é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
A base legal utilizada pelo promotor considera que o projeto é inconstitucional, conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5256.
Nesta ação, o Supremo Tribunal Federal (STF) “declarou inconstitucionais dispositivos de Lei de Mato Grosso do Sul que tornaram obrigatória a manutenção de exemplares da Bíblia nas escolas da rede estadual de ensino e nas bibliotecas públicas, às custas dos cofres públicos, desprestigiando as demais denominações religiosas e os que não professam nenhuma crença”, ressaltou o promotor.
Resposta da Secretaria Municipal de Educação
1. Não existem regras. Porém, o Programa Nacional do Livro Didático- PNLD do Ministério da Educação- MEC tem a sua política de distribuição de livros e outros materiais educacionais que complementam o trabalho pedagógico do professor.
2. Considerando as etapas do ensino que a Secretaria Municipal de Educação atende, não se trabalha com Bibliotecas, no entanto, algumas unidades possuem as Salas de Leitura e/ou salas de Multimeios. Nesses espaços, como em outros da escola, não há proibição ou restrição da presença de Bíblias.
3. O trabalho com a leitura de qualquer componente curricular se dá a partir do planejamento do professor, de acordo com o Currículo de Referência Único do Estado do Acre. Desta forma, o componente curricular Ensino Religioso trata os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção. Abordando esses conhecimentos com base nas diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar a existência de filosofias seculares de vida.
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