7 de janeiro de 2025

Prefeitura de São Paulo triplica gastos com fuzis para Guarda Civil Metropolitana em 3 anos

Entre 2021 e 2023, a Secretaria da Segurança Urbana comprou 83 fuzis 5.56, 110 espingardas .12 e 151 carabinas 9 mm. GCM diz que o investimento é previsto em lei e que foi feito após estudos para investimento em equipamento e tecnologia. Especialista diz que função das guardas municipais se desvirtuou no país. Ação da GCM na Avenida Rio Branco, no Centro de SP
Taba Benedicto/Estadão Conteúdo
A Prefeitura de São Paulo triplicou os gastos com a compra de fuzis em três anos, segundo dados obtidos pela GloboNews, via Lei de Acesso à Informação (LAI).
As primeiras compras começaram em 2021, com a aquisição de 11 fuzis pelo valor de R$ 128.365,16. No ano passado, a Secretaria Municipal da Segurança Urbana investiu R$ 478.451,96 para adquirir 41 fuzis.
Ao todo, em três anos, a Prefeitura repassou R$ 2.474.439,96 para o efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) com a compra de fuzis e outras em armas de grosso calibre, como espingardas e carabinas. Com apenas dois concursos para a contratação de novos agentes no período de 10 anos, a Secretaria Municipal da Segurança Urbana mudou o perfil de compra de armamentos, muitos deles usados em zonas de guerra.
Em nota, a GCM informou que o investimento foi feito em equipamentos cujo o uso é permitido por lei para as Guardas Municipais, a partir de estudos para investir em equipamentos com novas tecnologias (veja mais abaixo).
Segundo uma nova pesquisa do Datafolha, 23% dos moradores de São Paulo apontam como principal problema da cidade a segurança. Outros temas que trazem mais preocupação para os paulistanos são a saúde (16%), e enchentes e canalização do esgoto, citadas por 9%. Quando questionados sobre as áreas que deveriam ser prioridade para o próximo prefeito melhorar a vida dos moradores, segurança (18%) e saúde (17%) lideram, seguidas por educação e situação dos moradores de rua, ambos com 11%.
A pesquisa “Raio-X dos Profissionais de Segurança Pública”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgada no fim de fevereiro, mostrou o encolhimento das forças policiais estaduais, que acabou por pressionar prefeitos a criarem guardas municipais . Os gestores das cidades também passaram a ser mais cobrados a dar respostas para a criminalidade, segundo o relatório, assumindo o papel que deveria ser dos governadores (leia mais abaixo).
Armas pesadas e munição
Além da reposição de pistolas, que são as armas funcionais dos guardas de São Paulo, a compra de armamento pesado começou a se intensificar em 2021. Com exceção à aquisição de duas espingardas calibre 12 em 2017, ao custo de R$ 2301,06 cada, as compras de armamento de grosso calibre se intensificaram há três anos.
2019
602 pistolas (valor total de R$ 1.547.140,00)
76.300 munições (valor total de R$ 329.616,00)
total: R$ 1.876.756,00
2020
270.000 munições (valor total de R$ 1.020.600,00)
total: R$ 1.020.600,00
2021
110 espingardas calibre 12 (valor total de R$ 394.109,10)
27 carabinas 9 mm (valor total de R$ 179.037,00)
11 fuzis 5.56 (valor total de R$ 128.365,16)
651 pistolas (valor total de 4.085.025,00)
594 mil munições (valor total de R$ 3.148.200,00)
total: R$ 7.934.736,26
2022
26 carabinas 9 mm (valor total de 172.406,00)
31 fuzis 5.56 (valor total de 361.756,36)
3.221 pistolas R$ 8.863.150,00
596.250 munições R$ 3.297.262,50
total: R$ 12.694.574,86
2023
98 carabinas 9 mm (valor total de R$ 760.314,38)
41 fuzis 5.56 (valor total de R$ 478.451,96)
2091 pistolas R$ 13.121.025,00
110.000 munições R$ 529.100,00
total> R$ 14.359.791,34
‘Excrescência de atuação’
O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani avalia que a compra de armamento pesado e de guerra, como foi feita pela Prefeitura de São Paulo, faz parte de um movimento que não é pontual em relação às recentes políticas de segurança pública no estado e no país.
Ele afirma que uma resolução na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tirou do Exército o controle e fiscalização sobre a aquisição de armamento pesado por parte do poder público.
“É uma excrescência a GCM de São Paulo ter um armamento como esse, de confronto. A atividade fim da Guarda Civil é dar apoio à segurança pública e preventivo para cuidar dos bens da Prefeitura, mas na prática a gente vê a GCM querendo virar Polícia Militar”, explicou.
Langeani pontua que a cidade de São Paulo é um município grande com escola de formação e orgãos de controle para mitigar abusos ou investigar caso existam, mas há cidades menores que estão comprando fuzis para as Guardas Municipais sem terem treinamento algum. “Estamos usando armas sem controle”, disse.
Encolhimento da PM pressiona prefeitos
Os efetivos das Polícias Militares apresentaram redução na última década. Em 2013, segundo o raio-x do Fórum, eram 434.524 policiais militares na ativa, ao passo que em 2023, esse número caiu para 404.871, redução de 6,8% em dez anos. Na contramão do encolhimento das forças de segurança estaduais, o número de novas GCMs (Guardas Municipais), criadas pelos municípios, cresceu 23,5% –passando de 1.122 corporações em 2019 para 1.467 no ano passado.
E embora os investimentos dos municípios em segurança ainda sejam bem menores que os dos estados e o federal, foram nas cidades que esses investimentos mais cresceram na última década: os prefeitos passaram a investir 8% a mais nas despesas de segurança, enquanto os governos estaduais aumentaram 5,3% e a União, 1,6%.
“(Esse crescimento) é um movimento natural por conta da pressão que os prefeitos cada vez mais sofrem para dar respostas para o problema do crime, da violência. Então me parece uma decisão muito pragmática no sentido de não tem policiamento suficiente e assim a gente tem esse crescimento das Guardas Municipais ao longo da última década”, afirmou a diretora-presidente do FBSP Samira Bueno.
No lançamento da pesquisa, Samira fez um alerta sobre o desvio de função das GCMs pelo país.
“A Guarda Municipal não é polícia, né? Ela tem uma função de prevenção. O problema é quando você tem um desvirtuamento do que faz a guarda civil. Por exemplo, quando a gente vê uma Guarda Civil Metropolitana com um fuzil. Uma guarda que faz prevenção e cuida do patrimônio público não tem que ter fuzil. Acho que a gente tem que ficar atento em relação a quais são os poderes de cada um dos dois atores (PM e GCM). A Guarda Municipal tem um papel primordial na prevenção da violência e na garantia da Segurança Pública do Município, ela realmente pode fazer isso, mas claro a gente tem que ficar atento a eventuais é tentativas de transformar guardadas municipais em mini polícias”, disse
GCM diz que compra após estudos é prevista em lei
Procurada pela reportagem, a GCM informou que o investimento foi feito em equipamentos cujo o uso, por lei, é permitido para as Guardas Municipais, a partir de estudos para investir em equipamentos com novas tecnologias. A cidade de São Paulo tem 7.074 agentes, sendo 1.731 mulheres e 5.343. Cada guarda possui uma arma institucional, neste caso, pistola.
As últimas contratações na área foram em julho de 2023, quando 1 mil candidatos aprovados no concurso para o cargo de Guarda Civil Metropolitano 3ª Classe incorporaram o patrulhamento nas ruas. Outros 500 novos guardas estão em formação na Academia de Formação de Segurança Urbana (AFSU). A previsão é que esses agentes passem a integrar suas atividades na capital até o final de março deste ano.

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