19 de setembro de 2024

Presidente de órgão de proteção ao patrimônio de SP assina laudos para empreiteiras e é condenado por improbidade administrativa

Também foram condenados o ex-prefeito de Guarulhos, Sebastião de Almeida (Solidariedade), servidores públicos e vereadores que votaram a favor do projeto de destombamento de casarão histórico que deu lugar a mais vagas de estacionamento em shopping. Casarão Saraceni, em Guarulhos, na Grande SP
Instituto São Paulo Antiga
A Justiça de São Paulo condenou por improbidade administrativa, durante processo de destombamento de casarão, Carlos Augusto Mattei Faggin, presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) e Gustavo Henric Costa, o Guti (PSD), atual prefeito de Guarulhos.
Também foram condenados o ex-prefeito Sebastião de Almeida (Solidariedade), servidores públicos e parlamentares que votaram a favor do projeto de destombamento — incluindo Guti, que era vereador na cidade. No total, foram condenadas duas empresas e 39 pessoas físicas.
Todos os envolvidos atuaram no processo de destombamento do Casarão Saraceni, um dos raros imóveis que contavam a história da imigração italiana em Guarulhos, o segundo maior município do estado de São Paulo;
Os desembargadores determinaram que os condenados percam as funções públicas e os direitos políticos por três anos;
Eles ainda deverão pagar uma multa de cinco vezes o valor do último salário recebido como agente público;
O imóvel, que ficava no estacionamento do Internacional Shopping Guarulhos, foi tombado em 2000 como patrimônio do município;
Mas em 2010, com base em um documento assinado por Carlos Augusto Faggin, ele foi destombado com autorização da Câmara Municipal e da prefeitura.
À época, Faggin ainda era conselheiro do órgão estadual de defesa do patrimônio.
Por sua empresa particular, o escritório de arquitetura FGGN, Faggin assinou um laudo defendendo o destombamento sob a justificativa de que “o casarão não era relevante e nada tinha de interessante”.
Com esse documento, o vereador Geraldo Celestino encaminhou um projeto para revogar a proteção ao imóvel. Assim que o imóvel deixou de ser protegido, começou a ser demolido. (veja o antes e depois abaixo)
No lugar do casarão, o shopping, dono do terreno, construiu mais vagas para carros, mas a mudança na paisagem logo entrou na mira do Ministério Público.
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“O tribunal considerou como um ato de improbidade, ou seja, um ato de corrupção, algo grave, uma conduta realmente preocupante, que tem consequências bem pesadas no Direito”, explicou Marcelo Figueiredo, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP.
Ação Civil do Ministério Público
O processo de destombamento foi alvo de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público. O órgão apontou que a proposta “não traz qualquer benefício à coletividade. Apenas visa beneficiar economicamente as empresas que exploram o Internacional Shopping de Guarulhos, que tinham a nítida intenção de ampliação de seu estacionamento”.
As defesas dos condenados pediram mais explicações ao Tribunal de Justiça. Por isso, as penas ainda não podem ser cumpridas.
“Falta o julgamento de um recurso chamado embargos de declaração. Essa decisão não é leve, é uma pena pesada, que vai atingir não só o bolso das pessoas, como também a reputação das pessoas condenadas”, destacou o professor Marcelo Figueiredo.
Família Saraceni reunida diante do casarão no natal de 1951
Instituto São Paulo Antiga
Casos semelhantes
O Ministério Público acompanha outros dois casos com procedimentos semelhantes.
Em fevereiro, o SP2 mostrou que o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio de São Paulo) decidiu não estudar o tombamento de um casarão demolido nos Jardins, na Zona Oeste da capital, com base em um laudo apresentado pela construtora interessada no terreno.
O documento, que dizia que o imóvel não tinha relevância histórica, também foi assinado por Carlos Augusto Faggin, que disse que o imóvel não tinha relevância histórica.
Faggin também assinou o Plano Diretor da Fundação Butantan, que prevê a construção de um complexo industrial para a produção de vacinas na área tombada como patrimônio histórico e ambiental.
O Ministério Público contesta o projeto por causa do corte de árvores, além da ideia de construir um prédio-garagem às margens do Córrego Pirajussara Mirim.
O escritório de arquitetura de Faggin recebeu mais de R$ 1 milhão para fazer o projeto do Butantan, que já foi aprovado pelo Condephaat, ou seja, o órgão que ele mesmo preside desde 2017.
“Na minha visão, sem dúvida, existe um conflito de interesse. Como que ele pode, numa instituição como o Condephaat, que é um órgão de proteção do patrimônio e do interesse público, ao mesmo tempo ser proponente desse projeto?”, questionou Sonia Imperio Hamburguer, economista e participante do coletivo Rede Butantan.
O que dizem os envolvidos
A defesa de Carlos Augusto Faggin informou que o arquiteto apenas elaborou parecer técnico sobre as características arquitetônicas e históricas da Casa Saraceni e que esse parecer tinha como objetivo informar e sugerir providências à administração pública. A defesa do arquiteto ressaltou, ainda, que ele não se tornou réu nesta ação por ser presidente do Condephaat, mas por ter elaborado o documento.
A Secretaria Estadual de Cultura, responsável pelo Condephaat, disse que não existe impedimento legal para que Carlos Augusto Faggin ocupe o cargo. A pasta também afirmou que todos os conselheiros têm autonomia para elaborar pareceres técnicos e participar de projetos com suas empresas ou como pessoa física, desde que não exista relação direta com o conselho.
Guti, atual prefeito de Guarulhos, considerou a decisão equivocada e disse que vai recorrer.
O Internacional Shopping de Guarulhos informou que não tem conhecimento do processo e que a área onde estava o casarão não pertence ao shopping desde 2022.
O SP2 não conseguiu contato com o ex-prefeito Sebastião de Almeida e com vereador Geraldo Celestino.
A Fundação Butantan informou que Faggin não desempenha nenhuma atividade para o instituto desde fevereiro de 2023. Disse também que o projeto de consultoria para ampliação do espaço, iniciado em 2018, foi encerrado.

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