Com a maior malha viária do país, Minas Gerais está na rota do tráfico. Apreensões de drogas crescem em Minas e situação preocupa
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu mais de 18 mil quilos de drogas em Minas Gerais em 2023, a maioria maconha. O número representa um aumento de 18% em relação ao ano anterior.
“A PRF vem se aprimorando cada vez no combate ao tráfico de drogas e, para isso, foram criados grupamentos especializados de combate ao tráfico, canis da PRF em diversas partes do país, os cachorros ajudam muito. Um trabalho sempre direcionado pela nossa área de inteligência”, disse o inspetor Aristides Junior, porta-voz da PRF em MG.
Com a maior malha viária do país, o estado está na rota do tráfico. As rodovias mineiras escoam parte da cocaína que vem de Bolívia, Colômbia e Peru.
Uma parcela fica no Brasil, e o restante segue viagem a partir dos portos de Santos, Vitória e Rio de Janeiro para Europa e África. Já a maconha vem, principalmente, do Paraguai e faz o mesmo trajeto até chegar aos portos.
PRF apreende drogas em Minas Gerais (imagem de arquivo)
PRF/Divulgação
As drogas, que cruzam o estado e o país de ponta a ponta, são transportadas por pessoas conhecidas como “mulas”, gente contratada pra fazer o serviço sem expor o traficante.
“As polícias ostensivas pegam os transportadores. A gente pega o formiguinha, o motorista da carreta que está transportando, mas o ideal, o fundamental é que se chegue aos donos dessas cargas, a quem está financiando isso”, afirmou o inspetor.
Para o delegado Rodrigo Bustamante, a apreensão das drogas é importante, mas é necessário atingir o financeiro das organizações criminosas.
“Fundamental é a gente sufocar, asfixiar a organização criminosa na sua modalidade financeira, tirar o capital dela. Se você tem menos dinheiro para investir, você adquire menos droga”.
Rota do tráfico de drogas
TV Globo/ Reprodução
Drogas e violência
De acordo com o especialista em segurança pública e professor da PUC Minas Luís Flávio Sapori, nos últimos dez anos as facções de tráfico de drogas cresceram no Brasil.
“São mais de 60 facções hoje em todos os estados. Então, Minas Gerais também está sofrendo com o crescimento, o fortalecimento e o crescimento do poderio das fações. Triângulo Mineiro já tem esse problema, Sul de Minas, Zona da Mata, Região do Vale do Mucuri, a Região Metropolitana”, explicou.
Para os estudiosos da segurança pública, droga e violência estão entrelaçadas. Somente no último fim de semana, foram registrados cerca de 12 assassinatos na Grande BH, a maioria na capital.
Um levantamento feito há dez anos pelo Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de MG (Sindpol) já mostrava que cerca de 60% dos assassinatos registrados no estado estavam ligados ao tráfico. E a situação não mudou de lá para cá.
“Óbvio que você tem homicídios de trânsito, feminicídios, brigas de bares, de vizinhos, mas isso responde por menos da metade da violência cotidiana brasileira. Então, se de alguma maneira, o fenômeno volta a crescer, se estamos tendo um recrudescimento dos homicídios, é porque os conflitos do tráfico, das facções, das gangues em algumas regiões da cidade voltaram a crescer. E quem são as principais vitimas? Os jovens de 15 a 29 anos”, detalhou Sapori.
De acordo com o relatório estatístico da Vara Infracional da Infância e Juventude, no ano passado, 35,52% dos menores apreendidos em Belo Horizonte tinham envolvimento com o tráfico. A maioria era do sexo masculino, com idade entre 15 e 17 anos.
Na avaliação do pesquisador Frederico Marinho, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/ UFMG), é impossível enfrentar o problema, que é multifatorial, sem investir na prevenção.
“Identificar crianças e adolescentes expostos à violência associada ao tráfico e priorizar esse grupo, que é um grupo reduzido, então, fazer um investimento de médio e longo prazo nessas pessoas, cinco, dez, quinze anos para que as pessoas tenham realmente a sua trajetória associada à violência e ao tráfico interrompida”, afirmou.
Legalização em debate
As estratégias de enfrentamento às drogas dividem opiniões. Mundo afora, alguns países legalizaram a maconha. Os exemplos mais recentes são do Uruguai (2013), Canadá (2018), Malta (2021), Luxemburgo (2023) e Alemanha (2024).
Colômbia, Portugal, Bélgica e Argentina apostaram na descriminalização. E, na Holanda, desde 1979, existe um modelo de descriminalização parcial, e a venda e o consumo são permitidos em locais específicos.
No Brasil, nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Mas, para uma parte da sociedade, é preciso ir além e legalizar a venda no país.
“O traficante é um comerciante, ele vende um produto que tem demanda, e a violência não está no ato de o individuo vender ou comprar a droga, a violência vem do fato de esse comércio não ser regulado pelo poder público. Então, as dívidas são pagas de que maneira? Pela morte ou pela ameaça de quem deve. […] As facções criminosas lucram muito com a ilegalidade das drogas”, afirmou.
Reabilitação e futuro
De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas, o número de usuários cresceu 23% na última década. São quase 296 milhões de dependentes químicos no planeta.
José Carlos Esmael, de 29 anos, está internado em um centro de reabilitação para dependentes químicos mantido por uma organização sem fins lucrativos. Nos últimos 14 anos, ele esteve envolvido com o vício e o tráfico de drogas.
“Eu não sou uma pessoa ruim, sou uma pessoa boa, mas o que me atrapalhou foi a droga. A droga é uma maldição na vida de todo mundo. Nós estamos resgatando a nossa dignidade, eu estou querendo recuperar a confiança da minha família, eu quero me reintegrar para voltar para a sociedade, porque a gente não nasceu com isso, não nasceu usando isso”, disse.
José Carlos Esmael, de 29 anos
TV Globo/ Reprodução
Sidnei Fernandes, que passou 17 anos preso por tráfico, agora é o rapper SLK.
“Tem solução. Através da música, em busca da vitória, eu trago a realidade que outra hora eu estava no sistema prisional, perdido no tráfico de drogas, e hoje sou um cara influente nas redes sociais. Através da minha canção consigo tocar milhares de corações. […] Eu tenho uma riqueza maior, que é a minha liberdade, o direito de ir e vir”.
Rapper SLK
TV Globo/ Reprodução
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