Projeto ‘Versos da Igualdade’, desenvolvido pela professora Angélica Kimie na Escola Estadual Professor José Quevedo permitiu que alunos negros relatassem situações racistas em forma de poema. Professora de Sorocaba cria projeto de poesia para dar voz a alunos negros
Transformar os sentimentos, as angústias e situações vividas em texto pode ajudar a compreendê-los. Foi pensando nisso que uma professora da Escola Estadual Professor José Quevedo, em Sorocaba (SP), decidiu desenvolver um projeto que permite aos estudantes negros relatarem, por meio da escrita, o que sentem na pele.
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Angélica Kimie é a professora responsável pelo projeto “Versos da Igualdade” que, por meio de oficinas de letramento racial, buscou dar aos alunos e explicar sobre racismo estrutural.
“Eu me assustei com a falta de debate sobre o tema. Eu atuo em periferia, trabalhei nessa escola em 2023 e são escolas de periferia, que tem um público em sua grande maioria negro. Me assustei com a falta de identificação deles com a negritude, a falta desses debates e, principalmente, a reprodução do racismo”, cita Angélica.
Angélica Kimie, professora responsável pelo projeto que debateu racismo estrutural em escola estadual de Sorocaba (SP)
Fábio Modesto/TV TEM
Foi a partir dos debates promovidos pelo projeto que o estudante Kauã Dias Ribeiro, de 16 anos, conseguiu falar sobre um episódio de racismo no qual foi vítima. E não somente isso, mas também escrever um poema que trouxe outro significado à violência sofrida: “Eu fui numa loja comprar uma blusa e ninguém foi me atender. Uma mulher de pele branca ficou me olhando torto e me senti desconfortável. Esse tipo de situação tem que parar.”
Kauã Dias Ribeiro, de 16 anos, escreve poema sobre racismo sofrido. Texto fez parte do livro ‘Versos da Igualdade’
Fábio Modesto/TV TEM
O poema escrito por Julia Alves, de 17 anos, questiona “O que o branco tem que eu não posso ter também?”. A estudante diz que as oportunidades para brancos e negros são diferentes.
“Normalmente, a gente tem menos oportunidades. A partir do momento que você é só um pouquinho mais escuro do que uma pessoa que é muito branca, você acaba sendo discriminado. Tem muita gente que me fala que foi chamada de suja por causa da cor.”
Julia Alves, de 17 anos, também escreveu um poema que traz seus questionamentos sobre o racismo estrutural
Fábio Modesto/TV TEM
Projeto virou livro
Os poemas escritos pelos estudantes viraram um livreto antirracista. Na primeira edição do projeto, que deve ter continuidade, participaram 85 estudantes. Segundo a professora, a ideia é permitir que mais jovens, de todas as cores, entrem para o debate e relatem suas dores.
Projeto ‘Versos da Igualdade’ transforma poemas de estudantes negros em livro
Fábio Modesto/TV TEM
O projeto da Angélica também conquistou o segundo lugar na premiação nacional “Educador Nota 10”, realizada em 12 de novembro. A premiação teve mais de 2,7 mil projetos inscritos e o projeto da professora de Sorocaba foi destaque na categoria “Direitos Humanos”.
“Eu digo para eles que o racismo está nas minúcias. Quando eles, com 15 anos, já trabalham como adultos; quando eles moram em um bairro onde tem que pegar ônibus e demoram duas horas para chegarem no trabalho e ainda são cobrados para terem bom desempenho escolar; quando sofrem das várias coisas; do descaso com a educação… isso tudo é racismo. Eu gosto de trabalhar com jovens porque eles estão mais abertos à mudança. A mudança é a engrenagem da vida. Acho que todo mundo tem que estar disposto a mudar”, ressalta Angélica.
Professora de Sorocaba (SP) cria projeto de letramento racial e transforma vivências de alunos negros em livro
Fábio Modesto/TV TEM
‘Eu sou a minha referência’
O projeto também permitiu que estudantes se descobrissem poetas ainda na adolescência, como aconteceu com a Júlia Lima Faria, de 17 anos.
“Eu sou a minha referência. Tenho as minhas referências nas áreas artística e musical, mas acho que as pessoas também deveriam ser sua referência. Porque elas podem pensar ‘eu me inspiro naquela pessoa’, mas você já pensou se alguém se inspirar em você, o quão maneiro isso pode ser?”, questiona a aluna.
‘Eu sou a minha referência’ diz Júlia Lima Faria, de 17 anos, estudante que participou do projeto ‘Versos da Igualdade’
Fábio Modesto/TV TEM
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