28 de dezembro de 2024

Professora demitida após fotos nuas vazadas: advogados explicam se divulgação pode causar a perda do emprego

Professora emprestou o celular dela para os alunos tirarem fotos de um evento escolar para uma atividade pedagógica, mas eles invadiram pastas privadas e acessaram fotos nuas dela. Caso é investigado pela Polícia Civil. Professora denuncia que foi demitida após ter fotos dela nua vazadas por estudantes
O caso da professora de história Bruna Flor de Macedo Barcelos, que denuncia ter sido demitida da Escola Estadual Doutor Gerson de Faria Pereira, em Alto Paraíso de Goiás, após ter fotos íntimas vazadas por alunos que acessaram pastas privadas do celular pessoal dela, repercutiu na internet levantando a discussão sobre a demissão dela ser ou não justa. Pensando nisso, o g1 entrevistou advogados trabalhistas para explicar sobre o assunto.
O diretor-adjunto da Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag), Cláudio Dias, explicou que cada caso tem sua particularidade e, por isso, precisa ser analisado separadamente. Mas segundo ele, em geral, o professor não pode ser penalizado quando o vazamento das fotos íntimas não está sob seu controle, como no caso de uma invasão de redes sociais ou celular, por exemplo.
Caso a demissão aconteça nessas circunstâncias, a ação pode ser considerada arbitrária, por “o professor não ter participado desse vazamento”. Sendo assim, o profissional deve entrar com ação na Justiça do Trabalho, “discutindo não só as verbas trabalhistas, mas até indenização por eventuais danos morais”, explicou.
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Professora denuncia que foi demitida após ter fotos nua vazadas por estudantes, em Alto Paraíso de Goiás
Divulgação/Bruna Barcelos
Mas, Cláudio explica que existem duas condições em que a escola tem o direito de demitir o professor. Caso o vazamento das fotos íntimas ocorra porque o docente compartilhava conteúdo íntimo em grupos ou redes sociais, entende-se que ele “está assumindo o risco de produzir um resultado danoso”. Nessa situação, o advogado diz que a demissão pode acontecer até por justa causa, por considerar uma má-conduta da parte do professor.
A segunda condição envolve o vazamento por descuido do professor. “Se isso gera algo negativo na imagem da escola, esta tem direito de fazer a rescisão do contrato de trabalho desse professor para preservar a imagem”, explica. Inclusive, diz que essa demissão pode demonstrar uma medida efetiva em relação à integridade da instituição.
Já o advogado trabalhista Eduardo Felype Moraes explica que, de modo geral, qualquer contrato de trabalho precisa estipular regras acerca do serviço prestado, mas também tem que respeitar a dignidade da pessoa humana empregada.
“Caso esteja estipulado no contrato de trabalho que o empregado poderá ser demitido caso fotos íntimas forem divulgadas, sem o seu consentimento, essa cláusula poderá ser considerada abusiva”, considera.
Eduardo reforça que a divulgação de fotos íntimas sem consentimento é crime e quem pratica a ação descumpre o Art. 218-C do Código Penal. Além disso, existem outras duas leis que são voltadas para assegurar a intimidade, são elas: a Lei Rose Leonel (13.772/18) e a Lei de Importunação Sexual (13.718/18).
“A nossa própria Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5°, inciso X, protege o direito à imagem da pessoa”, diz.
O caso de Bruna
Escola Estadual Doutor Gerson de Faria Pereira, em Alto Paraíso de Goiás
Reprodução/Google Street View
No caso de Bruna, os próprios alunos causaram o vazamento do conteúdo íntimo. “Se a conduta dos alunos foi de extrair essas informações do celular da professora mexendo de maneira indevida, eles também podem sofrer sanções disciplinares, advertências, suspensões”, explicou o advogado da Casag.
“O aluno deveria ser penalizado. Eles causaram um dano à professora quando expuseram indevidamente imagens privadas dela, sem respeitar sua privacidade e sua individualidade, o que não é permitido também para uma conduta de um aluno”, disse Cláudio Dias.
Ao g1, Bruna contou que tinha um acordo com o governo estadual, em que trabalharia por 5 anos como professora temporária na escola em questão. Esse acordo se deu porque, ao trabalhar em outra escola estadual, em 2019, ela sofreu um episódio de discriminação e essa foi uma forma de indenizá-la pela violência. Mas, com apenas oito meses de contrato, ela foi demitida e está desempregada.
Ao dar explicações sobre a demissão de Bruna à Defensoria Pública, a Secretaria Estadual de Educação de Goiás (Seduc) confirmou que o vazamento das fotos foi, realmente, o que motivou o desligamento da profissional.
No documento a Seduc afirma que a divulgação das fotos íntimas da professora causaram “grande constrangimento” e que os estudantes estavam “extremamente envergonhados, sem jeito de assistirem as aulas da professora”. Diz ainda que a situação se tornou um “perigo iminente de prejuízo educacional”.
“No aparente dilema entre o princípio da presunção da inocência da acusada e o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, deve prevalecer a proteção”, diz o texto.
O documento ainda reforça que o contrato vigente com a professora pode sim ser rescindido em caso de “conveniência da administração” ou “quando assim recomendar o interesse público”, que são os argumentos usados.
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Na opinião de Bruna, a decisão da escola é uma inversão de quem é a vítima da situação e, por isso, cobra por justiça. Desde que foi demitida, em 2 de novembro do ano passado, ela afirma que tem vivido de favor na casa de pessoas, porque não tem mais condições de pagar aluguel.
“Me senti violada, violentada. Na sequência, a gestão da escola criou um ofício dizendo que os estudantes se sentiam constrangidos de assistirem às minhas aulas por terem visto minha foto nua. Uma inversão de quem foi vítima na situação”, diz a professora.
A Seduc Goiás não deu nenhuma declaração a respeito do vazamento das fotos e da denúncia da professora de que foi destratada por colegas e pela gestão da escola. Na nota enviada à reportagem, a pasta se resumiu a dizer que, sobre a conduta de Bruna, “segue a legislação de proteção à criança e adolescente, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.
Documento aponta vazamento de fotos íntimas de professora como motivo de demissão
Acervo pessoal
Alunos
O advogado José Lopes de Oliveira, que faz a defesa da professora, explica que os alunos não foram processados por conta do vazamento das fotos. “A ação só ocorre em face do Estado, por que é a parte legítima e responde pelos atos de seus agentes”, disse. Para responsabilizá-los, Cláudio defende a abertura de um processo disciplinar interno.
A Delegacia de Polícia de Alto Paraíso informou que os estudantes que teriam acessado as mídias do celular da professora já foram identificados. Caso fique comprovado a ação, eles poderão responder por ato infracional análogo ao crime de divulgação de cena de nudez sem o consentimento da vítima. Não foram informados quantos alunos são.
A polícia também confirmou que colheu depoimento da professora, da diretora da escola e de outros professores. “A PCGO informa que acompanha o caso detidamente, com prioridade, e já prestou as orientações devidas à vítima”, informou.
Exposição desnecessária
A gestão da escola soube do ocorrido após uma coordenadora ver diversos estudantes reunidos e, ao se aproximar, ver que eles estavam olhando uma foto da professora nua. Mesmo assim, a gestão permitiu que ela trabalhasse até o final do dia com todos já sabendo do vazamento, exceto ela.
“Eu trabalhei até o quinto horário normalmente, sem saber de nada. Enquanto estava todo mundo já sabendo da situação, eu só vim a saber às 18 horas, quando a diretora, no final do dia, me chamou para uma reunião, dizendo que era [uma conversa] só eu entre mim e ela. Mas tinham seis pessoas na sala, me senti inibida e é onde ela me passou o fato. Fiquei estarrecida”, relembrou a professora.
Bruna defende que o celular foi emprestado porque a escola não tinha aparelhos que fizessem filmagem e que o registro do evento, que fazia parte do Mês da Consciência Negra, era importante.
“Solicitar que estudantes façam o registro de uma atividade é dotá-los de autonomia tem valor imprescindível para um ser humano livre e cidadão”, afirmou.
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