Iniciativas de monitoramento reuniram 600 participantes ao todo. Bancos de dados podem ser acessados livremente pela população. Iniciativas de ciência cidadã auxiliam na coleta de dados de abelhas nativas
Sheina Koffler
Um projeto de ciência cidadã encontrou uma forma envolvente de aumentar a geração de conhecimento sobre um grupo de insetos muito importante. Conhecida como “Beekeep”, a iniciativa permite que pessoas sem formação acadêmica contribuam para a pesquisa e conservação de abelhas nativas brasileiras por meio da coleta de dados.
Em um dos protocolos criados pelo Beekeep, chamado de “Cidadão ASF”, os participantes registraram as abelhas sem ferrão em vídeo e realizaram contagens de entrada e saída delas nos ninhos, além de observar o transporte de pólen. Os dados foram submetidos a uma plataforma digital, permitindo análises colaborativas e validação por consenso.
“Para que um protocolo de coleta de dados científicos seja atraente para quem vai executá-lo, é importante que ele seja relevante e simples de executar”, comenta Natalia Pirani Ghilardi-Lopes, uma das coordenadoras do projeto Beekeep. O protocolo teve a participação de 500 cientistas cidadãos.
Com o método, o projeto reuniu uma grande quantidade de informações sobre espécies como a jataí (Tetragonisca angustula) e a mandaçaia (Melipona mandacaia). O objetivo era compreender os horários de maior atividade dessas abelhas e a influência do ambiente ao redor das colmeias, seja em áreas urbanas ou rurais.
Melipona mandacaia registrada em Petrolina (PE)
camilamelo / iNaturalist
“Esse processo contribuiu para a composição de um grande banco de dados, o qual pode ser consultado pelos cientistas cidadãos e por qualquer pessoa interessada, mediante demanda aos coordenadores do projeto”, diz a acadêmica.
“Como a coleta desses dados estava atrelada a um processo de formação de cientistas cidadãos e como obtivemos um volume muito grande de dados, desativamos a plataforma de submissão de vídeos por um tempo para que possamos melhorá-la e ampliá-la para recebermos dados de outros protocolos que venhamos a criar”.
Para os interessados, os dados coletados no monitoramento podem ser consultados através do site do projeto.
De onde veio a ideia
O protocolo foi criado em 2020, durante a pandemia de Covid-19, por pesquisadores da USP e da UFABC. O grupo decidiu planejar e aplicar um curso de extensão online com o tema “Meliponicultura e ciência cidadã”.
O curso tinha como público-alvo criadores de abelhas sem-ferrão e tinha como objetivo não apenas trabalhar conteúdos sobre a criação e manejo sustentável dessas abelhas, mas também sobre a possibilidade de os próprios meliponicultores estudarem e gerarem informações científicas úteis sobre essas espécies.
Aulas do curso foram disponibilizadas no site do projeto e no YouTube
Reprodução/Beekeep
“Divulgamos o curso em diferentes redes sociais e a procura foi grande, resultando no oferecimento de quatro edições. Também tivemos outros públicos, como monitores de unidades de conservação, professores da educação básica, graduandos, pós-graduandos, entre outros”, diz ela.
Nesse meio tempo, os cientistas elaboraram um protocolo de monitoramento da atividade de voo das abelhas sem ferrão que eram criadas pelos meliponicultores participantes do curso. Todas as aulas do curso estão disponíveis gratuitamente no Youtube.
Contagem de visitantes em flores
Além do “Cidadão ASF”, o Beekeep mantém outro protocolo de ciência cidadã que foi adaptado de a partir de uma iniciativa desenvolvida no Reino Unido. O FIT Count tem como objetivo levantar a quantidade de visitantes florais em determinadas espécies de plantas.
Visitantes florais sendo monitorados por voluntários
Sheina Koffler
Para isso, cada cidadão cientista delimita uma área de 50 x 50 cm com a planta de interesse. Nesse quadrado, é realizada a contagem cronometrada de 10 minutos de todos os visitantes às flores contidas nessa área. Os dados então são registrados em um aplicativo, que foi traduzido para o português e adaptado para a biodiversidade brasileira.
“Qualquer pessoa pode baixar o app FIT Count nas lojas de aplicativo. Elaboramos materiais de apoio para que o protocoo possa ser realizado com qualidade, algo importante uma vez que os dados serão utilizados para pesquisas científicas”, explica Natalia. Até o momento, a iniciativa já reuniu coletas de ao menos 100 participantes.
Acesse informações sobre o FIT Count
Dados coletados por cidadãos cientistas por meio do FIT Count
Aplicação do Fit Count Brasil
Sheina Koffler
Segundo ela, todos os dados gerados pelo FIT Count no Reino Unido, Chile, Brasil e outros países parceiros ficam armazenados em bancos de dados no Reino Unido, cujo acordo de uso permite o uso das informações por pesquisadores brasileiros.
O Beekeep faz parte do Projeto Temático “SURPASS2 – Salvaguardando serviços de polinização em um mundo em mudança: teoria na prática” financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Atualmente o projeto está na fase final, na qual ocorre a análise de dados e o retorno para cientistas cidadãos participantes.
Polinização e alimentação humana
Vale a pena sempre relembrar porque é tão importante estudar e conservar as diferentes espécies de abelhas, principalmente as nativas. A polinização feita por elas é essencial para a produção de alimentos, no entanto, esses insetos enfrentam ameaças severas à sua sobrevivência.
“A crise de biodiversidade pode significar, em curto prazo, uma crise alimentar para a espécie humana, pois sem o serviço de polinização, não temos a produção de frutos. Em outras palavras, frutas e legumes ficarão mais escassos e isso pode ameaçar a segurança alimentar de diferentes populações humanas no planeta”, alerta Natalia.
Ela explica que as principais ameaças a diversas espécies nativas estão relacionadas com as alterações no uso e ocupação do solo (como desmatamento e urbanização), bem como o uso de agrotóxicos em culturas de plantas que são visitadas por estas abelhas.
“Quando o habitat dessas abelhas desaparece, bem como as espécies que são fonte de recursos para elas, o risco de extinção aumenta”, finaliza.
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