26 de dezembro de 2024

Quem tem registro de arcada dentária e como ele ajuda em casos criminais? Entenda

Segundo especialista, registro ocorre no primeiro atendimento odontológico. Informações como alinhamentos de dentes, perdas dentárias e até número de série de implantes podem auxiliar em identificação de corpos. Equipe policial em área de mata onde corpo foi encontrado em Charqueada
Wesley Almeida/ EPTV
A Polícia Civil aguarda resultado de um exame de DNA para identificar a adolescente que foi encontrada morta em uma área de mata, em Charqueada (SP), nesta terça-feira (30). A suspeita é de que a vítima seja Victoria Lorrany Coutinho, de 14 anos, que desapareceu no dia 21 de abril. Um suspeito pelo crime foi preso.
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O exame de DNA foi necessário devido ao estado de decomposição do corpo, que impossibilitou a coleta de impressões digitais. Além disso, não foi encontrado registro de arcada dentária da vítima que possibilitasse a identificação por esse meio.
Mas e quem tem histórico de arcada dentária e como ele pode ajudar em casos como esses? Em entrevista ao g1, Ana Cláudia Rossi, professora da área de Anatomia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), explicou como funciona esse tipo de procedimento. Confira abaixo, em perguntas e respostas:
Victoria Lorrany Coutinho tinha 14 anos
Acervo pessoal
Quem tem esse tipo de registro de arcada dentária?
A professora explica que esse tipo de exame é comum na rotina de consultório odontológico.
“Se o dentista ainda não conhece a saúde bucal do paciente, normalmente isso ocorre na primeira consulta. Ele, então, faz uma moldagem das arcadas dentárias superior e inferior, e ele obtém um modelo de gesso. Hoje, tem até o escaneamento 3D que gera a versão tridimensional da arcada dentária superior e inferior na tela do computador”, explica.
O que fica registrado pelo exame?
A especialista detalha que, com esse registro, é possível avaliar a mordida, se os dentes estão alinhados ou não, perdas dentárias, e como o dentista pode tratar o paciente.
“Também, radiografias periapicais ou panorâmicas, e tomografias computadorizadas são comuns antes de alguns tratamentos cirúrgicos, extrações dentárias, colocação de implante. E o dentista pode guardar estes exames no consultório odontológico durante o processo de tratamento”.
Com quem fica essa documentação?
Após o atendimento, é direito do paciente ter com ele essa documentação odontológica. Se o paciente não quiser, o dentista arquiva.
Geralmente, os documentos ficam arquivados por um período de cerca de dez anos, segundo recomendação do Conselho Federal de Odontologia (CFO). Mas estudiosos da área de Odontologia Legal recomendam que dentistas arquivem os exames de forma perpétua, uma vez que podem ser úteis nestes casos de identificação de corpos.
Região onde o corpo foi encontrado foi isolada
Gabriela Ferraz/ EPTV
Como essa documentação chega ao IML?
Esse tipo de perícia é feita no Instituto Médico Legal (IML) por um perito odonto legista, que é o perito especializado na área de odontologia forense, ou por um perito criminal. Esse profissional solicita os registros de arcada dentária aos familiares da possível vítima, que precisa ser identificada, ou para dentistas na cidade.
Que elementos são utilizados nessa identificação?
“Hoje as placas, parafusos e até os implantes dentários têm um número de série e eles são fabricados específicos para aquele paciente. Tal placa, tal parafuso, tal implante foi para esse paciente. Então, se o perito encontrar nos exames odontológicos cedidos pela família características similares naquele corpo para ser identificado, eles fazem o cruzamento de dados por métodos científicos, detalha Ana Cláudia.
Além disso, a docente explica que é possível medir estruturas anatômicas nos ossos, aplicar fórmulas e chegar ao perfil biológico do corpo a ser identificado como no sexo, na idade, estatura e até mesmo na ancestralidade da pessoa.
Não existe um sistema de integração de informações?
A professora explica que no Brasil ainda não existe essa integração. Há dentistas que mantêm os registros em papel, e outros em formato digital.
“Não existe um sistema computacional integrado a nível nacional ou estadual com estes dados de pacientes que os peritos possam acessar. Daí, vai também dos peritos terem um relacionamento na cidade com órgãos públicos, por exemplo, centros odontológicos, hospitais, que eles possam solicitar os prontuários. Se a pessoa for uma vítima que foi atendida em consultório particular, por exemplo, que não foi hospital nem consultório público, a família teria que ter guardado com ela toda a documentação odontológica”.
Nesses casos, ela aponta a possibilidade de chegar ao profissional que possui o registro de arcada por meio de divulgação em jornais e outras mídias.
Viatura da Polícia Civil e carro funerário no local onde o corpo foi encontrado
Gabriela Ferraz/ EPTV
Existem alternativas à identificação pela arcada dentária?
Um dos métodos utilizados pela Polícia Civil é o exame de DNA. Além disso, Ana Cláudia aponta a possibilidade de uma antropologia forense da estrutura óssea do corpo que pode corroborar e direcionar o exame de DNA.
“O crânio, por exemplo, é o esqueleto da cabeça, que ajuda muito na determinação do sexo e estimativa da idade, mas outros ossos, por exemplo, o fêmur, tíbia, fíbula, ossos do braço, nos ajudam a avaliar a estatura, por exemplo. Tem ossos, por exemplo, ossos do quadril, (região pélvica) e ossos do crânio, que são dimórficos sexualmente. Eles são muito distintos entre o sexo masculino e o sexo feminino. Conseguimos estimar a estatura do indivíduo utilizando o fêmur”, elenca.
“E a antropologia, além de avaliar as ossadas, ela também avalia características únicas. Por exemplo, se em vida ela teve alguma fratura de braço e usou uma placa cirúrgica em vida é possível cruzar os dados do exame radiográfico e o número de série ante mortem e post mortem”, acrescenta a especialista.
Qual é a diferença entre reconhecimento e identificação?
A professora explica que o reconhecimento é aquele feito pela família, através de sinais como piercings ou roupas, por exemplo, quando o corpo tem estado avançado de decomposição. Nesse caso, ela aponta que se tratam de informações subjetivas, que não são precisas.
“A identificação tem que ser objetiva pela perícia, usando conhecimentos científicos de Anatomia humana e forenses”.
Segundo a professora “neste contexto, geralmente quando não existem dados médico-odontológicos que possam viabilizar a identificação pelos peritos de forma mais rápida, o processo de identificação pelo exame de DNA é o mais indicado e pode demorar mais ou menos de 30 a 60 dias”.
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