Paulo Sérgio de Oliveira Costa afirmou que há um “nível sofisticado de organização criminosa” no Brasil, mas ressalta que as instituições podem evitar que o país vire um narcoestado. Tralli entrevista procurador-geral de Justiça de SP, Paulo Sérgio de Oliveira Costa
Procurador-Geral de Justiça do estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira Costa afirmou que os criminosos que executaram um empresário no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, “quiseram mostrar que desafiam o Estado”.
Segundo ele, há um “nível sofisticado de organização criminosa” no Brasil, mas ressalta que as instituições podem evitar que o país vire um narcoestado. As declarações foram feitas em entrevista para o jornal Edição das 18h, da GloboNews.
“Essa ação que aconteceu na sexta-feira não dá para negar, foi uma demonstração de força. De alguma maneira, quiseram mostrar que eles desafiam o estado e é isso que a sociedade não pode permitir”, afirmou (leia a íntegra da entrevista ao fim da reportagem).
O procurador, que comanda o Ministério Público de São Paulo, disse que o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) trabalha junto com a força-tarefa que envolve as polícias Civil, Militar e Federal na investigação do assassinato do empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, na sexta-feira (8).
“É evidente que o Brasil, atônito, verificou que, nessa situação, há um nível sofisticado de organização, de hierarquia, de divisão de tarefas, de motivos que são os mais variados possíveis, inclusive o envolvimento sem dúvida alguma de agentes públicos.”
Execução de delator do PCC no Aeroporto Internacional de SP, em Guarulhos
Reprodução/TV Globo
O procurador afirma que o Brasil está vivendo um fenômeno que muitos outros países já sofreram também nas suas histórias com facções criminosas e crime organizado. Ele considera que o PCC tem atuado como uma máfia, como as italianas, mas que o país “está muito longe de ser um narcoestado”.
“Essa ação que aconteceu na sexta-feira, não dá para negar, foi uma demonstração de força. De alguma maneira, quiseram mostrar que eles desafiam o Estado e é isso que a sociedade não pode permitir. E a maneira de se enfrentar é com União e Estado dando as mãos e com financiamento.”
A suspeita do envolvimento de policiais na execução do empresário mostra que o crime organizado está infiltrado nas estruturas públicas. “Estamos diante de um fenômeno de organizações criminosas no Brasil muito sofisticadas, e temos que mostrar que somos mais organizados do que o crime organizado. Isso se mostra através de muita inteligência, muita estratégia e muita cooperação.”
Empresário delatou PCC e policiais
Gritzbach, de 38 anos, foi alvejado por 10 tiros, à luz do dia (por volta das 16h), na saída da área de desembarque do Terminal 2, por dois homens que desceram de um carro preto. Até a publicação deste post, os autores estavam foragidos.
O empresário era investigado por envolvimento com o PCC, em março, havia fechado um acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo com a promessa de entregar esquemas do crime organizado e de policiais.
Vinicius Lopes Gritzbach foi executado no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, no dia 8 de novembro de 2024
Polícia Civil/Divulgação
Nos depoimentos, o empresário acusou um delegado do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de exigir dinheiro para não o implicar no assassinato de um integrante do PCC (Anselmo Santa, o Cara Preta).
Além disso, forneceu informações que levaram à prisão de dois policiais civis que trabalharam no Departamento de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc).
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Leia a entrevista completa:
Tralli: Como o senhor define este ataque do crime organizado ocorrido no aeroporto de Guarulhos?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Este fato que aconteceu é a face mais visível de algo que nós temos que falar claramente aqui no Brasil, de que não é mais possível que o Estado e a sociedade continuem a ser desafiados pelo crime organizado. E dizer que, infelizmente, o Brasil está sofrendo um fenômeno que muitos países sofreram em suas histórias, nos seus processos de evolução.
Tralli: O senhor determinou empenho total dos promotores do Ministério Público neste caso?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Em relação a este fato, as circunstâncias já vinham sendo investigado pelo Gaeco, mas pela razão do crime de duplo homicídio – não podemos esquecer a trágica morte do condutor de Uber –, a responsabilidade desses fatos é dos promotores que atuam perante o tribunal do júri da cidade de Guarulhos.
O Gaeco vai entrar como força de apoio para as investigações, contribuindo com tudo aquilo que foi colhido até este momento, para que os promotores busquem a punição daqueles que praticaram esse crime hediondo.
Tralli: O Gaeco possui 58 promotores em SP. Diante da força do PCC e das facções criminosas, esta estrutura está dando conta do recado?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Esta estrutura dá conta do recado uma vez que a lógica do Gaeco é de atuação em forças-tarefas. O Gaeco atua junto com os promotores de cada comarca, bem como com as demais forças de segurança do Estado e Federais. Esta é a lógica que permite com que se avance mais na identificação e apuração de crimes com esse nível de sofisticação.
É evidente que o Brasil, atônito, verificou que, nessa situação, há um nível sofisticado de organização, de hierarquia, de divisão de tarefas, de motivos que são os mais variados possíveis, inclusive o envolvimento, sem dúvida alguma, de agentes públicos.
Tralli: Sobre agentes públicos envolvidos, o Estado está falhando na contratação desses agentes infiltrados, seja na contratação, formação ou fiscalização?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Eu não me refiro à falha do próprio Estado. Estamos diante de um fenômeno de organizações criminosas no Brasil muito sofisticado e temos que mostrar que somos mais organizados do que o crime organizado. Isso se mostra através de muita inteligência, muita estratégia e muita cooperação.
A instauração do inquérito por parte da Polícia Federal vem para ajudar. Não temos nenhum tipo de restrição à ajuda. Quanto mais polícia, melhor.
Não se trata de, nessas investigações, estarmos agindo com receio de que, em nossas forças-tarefas, estejam pessoas infiltradas. Isso ainda não aconteceu. O que nós vemos é infiltração de criminosos nas estruturas públicas, como vimos em empresas de ônibus em São Paulo e outras ações que vem acontecendo no estado.
Tralli: O que tem que ser feito para que o Estado não seja cooptado e contaminado pelo crime organizado?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Nesse exemplo que foi dado, nas empresas de ônibus de São Paulo, tivemos um fenômeno interessante. Uma vez que foi realizada a operação pelo Gaeco junto com os demais órgãos de segurança, a Prefeitura interviu nessas empresas com acompanhamento do MP.
Nós fomos procurados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que estava para liberar um financiamento internacional para compra de ônibus elétricos para a Prefeitura, e vieram muito preocupados com o que estava acontecendo. Dessa conversa, foi celebrado um ajuste para o MP atuar e garantir a integridade da utilização desses recursos, que seriam de R$ 2,5 bilhões.
É preciso que todo poder público esteja organizado para evitar a infiltração do crime nas estruturas de poder por meio de cargos eletivos que, infelizmente, é um fenômeno que tem acontecido em todo Brasil. Estamos investigando algumas situações específicas aqui no estado de São Paulo.
Tralli: O procurador Lincoln Gakiya, especializado em PCC, afirmou categoricamente que a facção atua hoje como a máfia italiana. O senhor concorda?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa: Lincoln é um dos maiores especialistas em crime organizado no Brasil. Ele esteve recentemente na Itália, conversando em um congresso a respeito de crime organizado e pelas questões específicas de algumas ações do crime aqui. Pode-se concluir que existam semelhanças.
Eu acredito que temos como evitar que o Brasil se torne um narcoestado. Estamos muito longe disso ainda, felizmente. Mas infelizmente, diante da sofisticação do crime organizado, essas ações são típicas de máfia. Essa ação que aconteceu na sexta-feira, não dá pra negar, foi uma demonstração de força. De alguma maneira, quiseram mostrar que eles desafiam o Estado e é isso que a sociedade não pode permitir. E a maneira de se enfrentar [o crime organizado] é com União e Estado dando as mãos e com mais financiamento.
O problema de segurança pública também está no financiamento de todas as ações para esse enfrentamento.