16 de outubro de 2024

Raio-X da GCM: novos guardas da capital e das maiores cidades da Grande SP treinam com armas, em média, menos da metade do tempo da PM

Em meio às eleições e promessas dos candidatos de ampliar o efetivo e o armamentos dos agentes, o g1 analisou dados de sete cidades da região metropolitana. Segundo especialista, tanto GCM quanto PM têm déficit em horas de treinamento. Agentes da GCM da capital durante o treinamento de tiro
Divulgação/Prefeitura de SP
Em meio às eleições municipais, as guardas civis, de responsabilidade das prefeituras, voltaram ao centro do debate, com propostas de ampliação de efetivo e também do número de armas. Em três anos, por exemplo, a Prefeitura de São Paulo triplicou os gastos com a compra de fuzis.
Apesar disso, o número de horas de treinamento com armas das guardas ainda fica aquém do treinamento da Polícia Militar. O g1 fez um levantamento, com base em dados fornecidos pelos municípios e pela PM, e concluiu que a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo e a Guarda Civil Municipal das seis maiores cidades da Grande São Paulo fazem, em média, menos da metade do total de horas de treinamento com armas de fogo da Polícia Militar do estado: 46%.
Segundo nota da PM, durante as 52 semanas de treinamento inicial da corporação, os agentes passam por 326 horas na matéria de Tiro Defensivo. Já a média dos guardas-civis é de 150 horas considerando o tempo de treinamento das cidades de São Paulo, Diadema, Guarulhos, Mauá, Osasco, Santo André e São Bernardo do Campo.
De acordo com a legislação federal, as funções da GCM incluem 18 competências. Além de zelar e proteger pelo patrimônio público, cultural e ambiental, os guardas devem auxiliar na segurança de grandes eventos e proteção de autoridades, atuar na segurança escolar e interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas das comunidades.
Tempo de treinamento com armas de GCM e PM
Arte/g1
Para João Alexandre, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESDH), o número de horas de treinamento com armas nas duas corporações é menor do que o necessário.
“O quantitativo é inadequado não só para a Guarda, quanto para a PM, até para PF, PRF, porque isso está vinculado ao orçamento”, diz.
O pesquisador lembra também do custo alto do treinamento.
“Uma munição custa, em média, R$ 7, e o ideal para um policial em formação é que ele desse pelo menos 3 mil tiros, seja na PM, ou seja em qualquer outra instituição policial. O que significa dizer, se você for colocar na Guarda de São Paulo, você imagina 3 mil tiros vezes 7 mil homens, o custo disso vai lá em cima. E o poder público não quer investir desta forma, segue a regra pelo mínimo”, ressalta.
Confira a relação cidade por cidade:
São Paulo
Os agentes da capital paulista passam, obrigatoriamente, por 100 horas de prática de tiro antes de começarem a trabalhar.
A corporação paulista tem 5.683 armas à disposição, sendo 5.347 pistolas, 256 carabinas e 80 fuzis. Além disso, eles possuem 330 viaturas.
Na capital, a Guarda Metropolitana foi fundada em 1986. Atualmente, o efetivo é composto por 7.361 agentes, sendo 5.571 homens e 1.790 mulheres, que são 24,3% do total de guardas.
Diadema
Os agentes passam for 160 horas de treinamento com o armamento. A corporação preferiu não informar a quantidade de armas que possui, mas afirmou que tem 37 viaturas disponíveis.
A cidade teve sua Guarda Civil criada em 1999, conta com 307 agentes da GCM, sendo 254 homens e 53 mulheres, que representam 17,3% do efetivo.
Guarulhos
Os guardas de Guarulhos passam por 220 horas de prática. A cidade também não revelou o número de armas que tem disponível, mas afirmou que possui os modelos Carabinas CTT .40, Fuzis 5.56, Espingardas Calibre 12.
O município tem 81 viaturas. Em Guarulhos, a GCM foi criada em 1992. Hoje, o efetivo é composto por 821 guardas, sendo 694 homens e 127 mulheres, o que equivale a 15,5%.
Mauá
Os agentes ingressantes ficam 100 horas em aula e treinam com os modelos Revólver, Pistola, Espingarda cal.12.
A cidade tem a Guarda mais antiga das analisadas, criada em 1967. O efetivo atual é composto por 289 guardas, sendo 200 homens e 89 mulheres – que representam 44,5% do total. O município preferiu não informar o número de armas que possui, mas disse que tem 35 viaturas.
Osasco
Os guardas ingressantes passam por 144 horas de treinamento de uso de armas. Em Osasco, onde a Guarda foi criada em 1990, o efetivo atual é composto por 512 agentes, 388 homens e 124 mulheres – que representam 24,2% do total.
A cidade também não quis informar a quantidade de armas disponíveis, mas comunicou que tem 65 viaturas à disposição da corporação.
Santo André
O treinamento inicial da corporação inclui 260 horas de treinamento com armas. A criação da GCM de Santo André aconteceu em 1985. Atualmente, a corporação conta com 641 agentes, 529 homens e 112 mulheres – que equivalem a 17,5% do total.
São Bernardo do Campo
Os guardas passam por 66 horas de treinamento inicial com armas. A corporação da cidade possui 900 armas, sendo 500 pistolas.40 e 400 pistolas 380.
Em São Bernardo do Campo, que criou sua GCM em 1999, o efetivo atual conta com 859 agentes, sendo 655 homens e 204 mulheres – que representam 23,7% do total.
Quanto às viaturas, a cidade conta com 93 veículos entre carros, ônibus e bicicletas.
✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp
Associação de Guardas Municipais
Segundo Ramón Soares, vice-presidente da Associação de Guardas Municipais (AGM), o treinamento inicial é suficiente porque, em sua experiência, os instrutores se certificam de que a excelência foi atingida, e os ingressantes mais habilidosos compensam o número de tiros daqueles que têm mais dificuldades.
“Essa média de 150 horas, eu não vejo problema nenhum. O importante é que o guarda saia apto”, afirmou.
“Eu falo com toda a tranquilidade do mundo que as Guardas Municipais têm excelentes instrutores e digo mais: o guarda-municipal, quando faz o teste de tiro, passa pela avaliação de um instrutor credenciado pela Polícia Federal. No bom sentido, se existe uma dor de cabeça para os gestores das guardas municipais, ela se chama Polícia Federal, porque a exigência é alta”, diz.
Ainda segundo Soares, o treinamento anual obrigatório de 80 horas a que os guardas têm que se submeter para renovar a autorização de uso de armas também contribui para a suficiência da capacitação.
“No ano seguinte, o guarda tem que fazer 80 horas, no outro ano, mais 80 horas, ou seja, você faz 80 vezes 3, dá 240 [horas], mais 150 [horas], ele já fez 390 horas, e o policial militar, ele faz as aulas [uma vez] e nunca mais faz nada”, diz.
Sobre os efeitos que o treinamento pode ter, Alexandre, que pesquisa o tema, afirma que nenhuma das duas corporações (GCM e PM) desenvolvem totalmente a habilidade necessária e isso faz com que erros aconteçam.
Em agosto deste ano, uma menina de 17 anos morreu após ser baleada por um agente da GCM, no Capão Redondo, Zona Sul de SP, quando estava na garupa de uma moto que era perseguida pelos agentes. Segundo o GCM Marcelo Teles dos Santos, a arma foi disparada porque, enquanto estava em patrulhamento pela cidade, ouviu barulhos e viu um clarão que parecia ser de um disparo de arma de fogo.
Para o vice-presidente da AGM, o caso é uma exceção. “Porque há bons profissionais e há maus profissionais. Mas no contexto institucional, o treinamento que todos recebem é bom, não tenho dúvida disso”, disse.
Além do manuseio correto de armas, Soares também destaca o treinamento psicológico e histórico que os guardas recebem quando ingressam na corporação. “Você tem aulas de direitos humanos, de introdução ao direito, sociologia, filosofia, direito constitucional, defesa pessoal.”
Ação de PM
Operação policial na região da Cracolândia, no Centro de SP
ROBERTO SUNGI/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Em junho deste ano, uma decisão da Justiça, tomada a partir de denúncia do Ministério Público, proibiu a GCM de agir como PM na Cracolândia.
Segundo o MP-SP, durante a operação, a GCM realizou uma barreira para revista de pertences pessoais em mochilas, bolsas e malas dos usuários. As abordagens eram feitas de maneira truculenta e agressiva nas pessoas que circulavam.
Sobre a decisão, o advogado e membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Eduardo Pazinato, comenta que contribuiu para a interpretação errada do papel da GCM. “Ocorre que a decisão acabou sendo demasiadamente genérica e gerando, nesse sentido, uma insegurança jurídica, inclusive em relação ao papel das Guardas”, diz.
Isso porque, ainda segundo Pazinato, a lei prevê ações mais ostensivas da Guarda. “A Guarda é uma força de Segurança Pública uniformizada de natureza civil que tem natureza policial. Isso, inclusive, já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que reconhece o papel da Guarda como órgão de segurança pública municipal”, afirma.
Em 2023, a AGM entrou com uma ação no STF, e o tribunal reconheceu a atuação de agentes no patrulhamento das cidades e autorizou as abordagens e revistas em lugares suspeitos.
Para o professor Acácio Augusto, da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo, a função da Guarda foi se perdendo com o tempo. “A gente poderia resumir a função dela como função de zeladoria, que é o que se espera de qualquer GCM. Só que em 93, com o governo do Paulo Maluf, ela começa a ganhar mais essa função de polícia.”
Se a função da Guarda é de polícia, os responsáveis por ela entenderam que o armamento também deveria ser. Entre 2021 e 2023, a gestão Nunes triplicou os gastos com fuzis para a GCM de São Paulo. Nessas eleições, o candidato José Luiz Datena tem como uma de suas propostas o aumento do número de fuzis para a corporação (confira as promessas dos principais candidatos abaixo).
De acordo com Pazinato, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não há motivo para a aquisição e utilização desse tipo de arma. “Qual a razão de um guarda-civil utilizar um fuzil? Pra quê se utiliza um fuzil, ordinariamente, na segurança pública? Utiliza-se um fuzil no enfrentamento da macrocriminalidade, uma criminalidade organizada, estruturada. No confronto terrestre, territorial, quando do outro lado há outros fuzis.”
“Esse armamento é extremamente complexo, tem um potencial de letalidade enorme. E, portanto, vai exigir dessas forças de segurança um nível de capacitação, de treinamento, de estrutura física para acondicionar esse equipamento, inclusive evitando furtos e roubos. É bastante diferente do que aquele que a Guarda Municipal teria ou deveria ter para prestar o serviços que fazem parte da sua competência”, explica.
De acordo com o último Raio-X das Forças de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de cidades com Guardas Municipais cresceu 35,7% entre 2014 e 2023 – 1.467 Guardas a mais no Brasil.
*Sob supervisão de Cíntia Acayaba

Mais Notícias