28 de outubro de 2024

Recado das urnas mostra que alerta de Mano Brown em 2018 ao PT segue vivo e que campo da direita não tem dono

Falta de conexão com os empreendedores da periferia foi identificada tardiamente pelos partidos de esquerda- e sem um plano- e direita viu força com diferentes lideranças. Quando terminou o 1º turno das eleições municipais, ficou evidente o novo mapa político nas cidades brasileiras com a consolidação dos partidos de centro e de direita, uma esquerda sem planos, desconectada e desatualizada e uma direita sem dono, que vai muito além de Jair Bolsonaro (PL).
Os três partidos que mais elegeram prefeitos foram PSD (878), MDB (847) e PP (743).

O PT, partido do presidente Lula, não elegeu nenhum prefeito em capitais em 2020 e repetiu o fracasso no 1º turno deste ano. A última rodada de pesquisas Quaest mostra o partido fora da liderança das disputas, mas com 3 candidatos em empate técnico.
Independentemente dos resultados do segundo turno, uma coisa já dá para cravar: não falta ao PT um diagnóstico. Falta às esquerdas um plano.
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Parte do diagnóstico foi dado em 2017, com um levantamento da fundação Perseu Abramo e, depois, em 2018, com o rapper Mano Brown. Ele deu a letra quando disse que era precisa voltar a falar a língua do povo, se comunicar, voltar a falar com as bases – e parte do PT torceu o nariz à época. Brown estava e segue certo, atual.
Rapper Mano Brown faz discurso crítico ao PT durante comício do candidato à presidência Fernando Haddad em 2018
Ricardo Moraes/Reuters
“Se nós somos o Partido dos Trabalhadores, o partido do povo tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta para a base e vai procurar saber”, disse ele em outubro de 2018.
Um ano antes, um levantamento da Perseu Abramo – fundação ligada ao PT – mostrou que moradores da periferia de São Paulo que votaram no PT de 2000 a 2012, mas não votaram em Dilma Rousseff em 2014 nem Fernando Haddad em 2016 eram eleitores que não viam a existência de uma luta de classes em que patrões exploram trabalhadores.
Percebem ricos e pobres no mesmo barco contra um inimigo comum: o Estado taxador e burocrático que não entrega serviços de qualidade.
Sete anos depois, o povo está dizendo que quer mais do que os governos do PT já lhes ofereceram – como Bolsa Família, que foi “incorporado à paisagem”, com diz um petista pragmático – e quer outras dinâmicas no que se refere ao mercado de trabalho.
São as esquerdas que não estão ouvindo ou subestimando esse eleitor. Ao deixar de fazer política de rua, conversando com as bases, o PT fica sem termômetro.
Na reta final das eleições em São Paulo, Guilherme Boulos do PSOL publicou uma carta ao povo paulistano onde reconhece parte desse problema.
“Reconheço também que, pelo nosso propósito de olhar sempre para os invisíveis, muitas vezes nós da esquerda deixamos de falar com tanta gente que também batalha, sofre o dia a dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de ganhar a vida. A periferia mudou. Você, mulher, que foi abrir seu salão, vender salgados na garagem de casa ou na porta do metrô, sabe disso. Você, jovem, que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma proteção, sabe disso. Você que pega um carro e dirige a cidade toda como motorista de aplicativo sabe disso. Muitas vezes nós deixamos de falar com vocês”, disse Boulos.
Com a entrada de Pablo Marçal (PRTB) nessa equação, ficou ainda mais evidente a falta de diálogo da esquerda com uma parte do eleitorado que quer novos modelos, os chamados uberizados, por exemplo. Mas apesar de estar tudo tão cristalino, não se vislumbra uma solução para esta falta de conexão- e muitos tratam como ruídos, como se fosse algo passageiro e não crescente.
Pablo Marçal faz entrevista com Guilherme Boulos
Reprodução/Youtube
E com um agravante: a extrema direita captou o sentimento desse segmento e oferece um discurso – não um plano – mas um discurso que agrada a esse eleitorado e que vira voto.
Se tem uma coisa que não envelheceu mal foi o alerta do Mano Brown.
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Ampliar para vencer
Como parte das mudanças, há também o entendimento de setores mais pragmáticos do PT de que é preciso ampliar para vencer eleições.
Lula tanto sabe desse diagnóstico que ampliou para o centro em 2022 e, assim, levou a Presidência. Falta o PT entender que ou amplia ou tem poucas chances de vitória. E ampliar não é falar para convertido: PT+ PSOL.
Geraldo Alckmin e Lula em frente à aeronave VC-1, da Presidência
Ricardo Stuckert / PR
Ampliar é buscar lideranças e partidos que estejam mais ao centro ou assim lidos pelo eleitorado. Exemplo de Geraldo Alckmin (PSB) em 2022 e partidos como MDB, PSD e União Brasil.
Direita sem dono
Por outro lado, a direita tem demonstrado que é capaz de gerar novos líderes na busca pelo voto do eleitor bolsonarista. O que foi feito em 2024 foi uma espécie de laboratório que mostrou que a direita não só não tem dono, como também tem opções de líderes- muitos governadores e até um ex-coach, fator surpresa da eleição de 2024.
Em São Paulo, por exemplo, o grande patrocinador da candidatura de Ricardo Nunes (MDB) foi o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Algo semelhante se viu em Goiás, com Ronaldo Caiado (União) de um lado e Bolsonaro de outro no 1º turno em Goiânia.
Ricardo Nunes ao lado de Tarcisio
Fabio Tito/g1
Assim como é possível cravar que as esquerdas precisam recalcular a rota, pode-se cravar que Bolsonaro ex-presidente sai menor da eleição e com diversos adversários, mesmo que não batendo de frente em alguns casos (como Tarcísio). O recado da urna é claro: a direita não tem dono e é maior do que Bolsonaro.
No campo da esquerda, Lula segue sendo maior do que seu campo- mas cresce nos bastidores a defesa de setores do PT para que se inicie uma discussão sobre a transição, sobre quem serão os herdeiros de Lula.
O chamado pós-Lula, principalmente porque 2026 é logo ali e, mesmo reeleito, as costuras para a próxima eleição já começam a contar no dia seguinte.
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