Uma das polêmicas envolve o uso do sedém, acessório colocado na cintura do animal para estimulá-lo a pular. Pesquisador da Unesp explica que equipamento é seguro e não causa sofrimento. Entenda as regras da montaria em touros na Festa do Peão de Barretos 2024
Reconhecido como patrimônio cultural brasileiro e com atividade regulamentada por lei, o rodeio é contestado por parte da sociedade por causa do bem-estar animal. Um dos debates envolvendo os touros questiona se os animais sentem ou não dor durante as competições da montaria.
Há pelo menos 40 anos, o grande vilão foi o sedém, equipamento colocado na cintura e na virilha do animal para estimulá-lo a pular pelos oito segundos exigidos ao peão durante a prova (entenda as regras da competição no vídeo acima).
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O principal argumento dos críticos é que o acessório aperta os testículos do boi, causando dor e doenças.
De um lado, ONGs e ativistas da causa animal pedem o fim das competições sob o argumento da exploração e do sofrimento. De outro, representantes do setor garantem que não há maus-tratos e que os touros são tratados com muito cuidado e responsabilidade.
Touro derruba competidor na final do campeonato brasileiro da PBR na Festa do Peão de Barretos 2024
Érico Andrade/g1
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Estudo sobre o equipamento
Um dos poucos estudos sobre o tema no Brasil foi realizado pela equipe do professor Orivaldo Tenório de Vasconcelos, professor do curso de medicina veterinária e zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal (SP), em 2002. O artigo teve três conclusões:
Os resultados demonstraram não haver qualquer relação do sedém com os testículos dos animais.
As análises de biópsia realizadas na região de contato com o sedém demonstraram a ausência de lesões.
O comportamento dos animais em relação à ingestão de alimentos, ruminação, desenvolvimento da fase de cortejo e disposição para o ato sexual, sugeriu a ausência de dor ou mesmo de qualquer outro fator estressante com o uso do sedém.
Sedém é equipamento passado na região pélvica e que estimulam os touros a pular
Érico Andrade/g1
A pesquisa, intitulada “Avaliação técnico-científica da utilização do sedém em bovinos de rodeio”, é assinada por outros três pesquisadores e foi publicada na revista de Educação Continuada Medicina Veterinária e Zootecnia do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP).
O professor, que em sua carreira se especializou na compreensão de como os animais sentem a dor, explicou ao g1 os elementos levados em consideração para o estudo e o que de fato causa o pulo dos animais com o sedém.
“Se um bovino tem o testículo injuriado, amarrado ou se bater em algum lugar, com seis meses começa a apresentar uma patologia de sêmen, que é a aglutinação de cabeça dos espermatozoides. Se pegar um boi do campo e todo dia de manhã dar um tapinha no testículo dele, à noite ou à tarde, depois de quatro meses ele vai começar a apresentar esta patologia de sêmen. Foi um indicativo de que o testículo não estava sendo injuriado”, explica.
Vasconcelos também conta que não há contato do equipamento com o órgão reprodutor dos touros. Em mais de 40 anos pesquisando animais, ele observou uma incidência baixíssima de casos de problemas nos testículos em bois de rodeio.
A pesquisa, no entanto, não está livre de polêmicas. Uma ação foi ajuizada no Ministério Público afirmando que o estudo conduzido pela equipe atendia a interesses privados da organização dos rodeios e que o pesquisador deveria ser enquadrado por improbidade administrativa. A ação, porém, foi considerada improcedente pela Justiça em 2002.
Sedém ainda causa polêmica sobre sofrimento animal
Clayton Castelani/ G1
Críticas de ativistas
Protetores de animais e ativistas antirrodeio rejeitam a tese de que o sedém não causa dor. Membro da Comissão de Direito e Defesa dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Ribeirão Preto, Caroline Ferreira Salioni cita um laudo pericial expedido pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli da Secretaria de Estado do Rio de Janeiro.
O documento afirma que “o sedém, ao comprimir a região dos vazios do animal, provoca dor, porque nessa região existem órgãos como parte dos intestinos, bem como a região do prepúcio, onde se aloja o pênis do animal”.
Caroline afirma que abusos são cometidos antes dos animais entrarem na arena, principalmente quando se recusam a entrar no brete, local de onde saem para as provas.
Segundo a ativista, eles sofrem golpes seguidos de choques elétricos, práticas negadas pelos organizadores.
Rogério Venâncio na disputa com o touro Ancião na última montaria da final brasileira da PBR 2024 na Festa do Peão de Barretos 2024
Érico Andrade/g1
Legislação sobre o equipamento
A lei estadual (10.494/1999), que regulamenta a defesa sanitária de animais, permite o uso do sedém nos rodeios, desde que estejam dentro das delimitações técnicas e não cause lesão física ao animal. O parágrafo II do artigo 8 diz o seguinte:
“Não haverá restrições a utilização de sedém confeccionado em material que não fira o animal. No sedém a ser usado em montaria, o segmento que ficar em contato com a parte interior do corpo do animal deve ser de material macio (lã ou algodão), excluídos, em qualquer caso, acessórios que importem em lesões físicas”.
Por que o touro pula?
O principal motivo para o touro pular na arena, segundo o professor Vasconcelos, são as cócegas causadas pelo sedém. Ele admite que a sensação pode ser desconfortável, porém afirma que isso está longe de causar sofrimento ao animal, que tem a sensação por oito segundos.
“Se você soltar um boi no brete sem o sedém, ele pula, só que é o chamado pulo do sapo, ou seja, ele só pula para frente em direção reta, então isso facilita muito para o peão ficar em cima. O sedém faz ele girar ou pular chacoalhando no ar para tentar se livrar daquela cócega, o animal já está condicionado àquilo”.
Segunda etapa do rodeio da PBR na Festa do Peão de Barretos 2024
Érico Andrade/g1
Ou seja, para o professor, o boi que pula é o que tem maior sensibilidade às cócegas causadas pelo equipamento. No entanto, um documento assinado pela União Internacional de Proteção animal (UIPA) rebate a explicação.
“Segundo a literatura, cócegas é uma sensação nervosa ou irritante que advém de leves toques ou fricções ligeiras. Jamais uma compressão tão intensa como a provocada pelo sedém poderia ensejar essa sensação”, diz.
O professor lembra que a prova do laço, proibida em Barretos (SP) desde 2006, onde acontece a maior festa de peão do Brasil, causa, sim, sofrimento aos animais por ser agressiva e causar lesões nas patas, no pescoço dos bezerros e por proporcionar trancos que podem levar à morte.
A corrente elétrica causa dor?
Segundo Vasconcelos, choque elétrico é diferente de estímulo elétrico. A carga elétrica só se torna corrente a partir do momento em que passa por todo o corpo, o que não acontece no caso dos rodeios, uma vez que o choque causaria contração dos músculos, impedindo os movimentos do touro.
“A corrente não passa pelo organismo, ela fica naquele espaço de um centímetro, um centímetro e meio que tem entre aquelas duas pontinhas. Só na pele do animal, não percorre o corpo. Você pega, por exemplo, um boi de rodeio é um boi difícil para chegar no brete, você faz uma aplicação um dia, outra aplicação no outro dia e, no terceiro dia, é só você mostrar o condutor que ele vai. Não precisa fazer sempre”, diz.
Touro Ancião na Festa do Peão de Barretos 2024
Érico Andrade/g1
Consentimento e empatia
A advogada Caroline Ferreira Salioni diz que é necessário tratar os animais com o mesmo respeito com que os seres humanos são tratados, condenando a violência contra qualquer ser que possui senciência (capacidade de sofrer e sentir dor).
Ela também ressalta a incapacidade verbal de consentimento dos animais dos animais e diz que devem ser entendidos como incapazes absolutos.
“Os animais não possuem capacidade de dizer que sim, que querem participar de tal manifestação. Eles são colocados à forca pelo simples fato de não possuírem a capacidade de fala dos humanos, mas todos os seus movimentos corporais são indicativos de dor, medo e pânico. Somente a exposição de um vulnerável ao pânico e ao medo já é uma tortura”, afirma.
Rodeio como esporte
Hussein Gemha Junior, presidente da associação Os Independentes, responsável pela organização da Festa do Peão de Barretos, defende o rodeio como esporte. Em 2001, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, publicou lei que equiparou a atividade de peão à de atleta profissional.
As provas são auditadas e, atualmente, existem órgãos, como a Confederação Nacional dos Rodeios (CNAR), que fiscalizam as práticas e a qualidade de vida dos animais.
Peões se concentram na final do circuito PBR na Festa do Peão de Barretos 2024
Érico Andrade/g1
“Os médicos veterinários acompanham os rodeios, ficam junto dos animais na hora da montaria. Se tiver alguma coisa errada, a CNAR é a primeira a acusar, mesmo porque, quando acaba o rodeio, se faz um relatório para o Ministério Público dando qualidade ou não àquele rodeio. Existem, sim, os maus rodeios, creio que sim, como existem maus médicos, advogados, engenheiros. Em toda profissão vai ter os bons e os ruins”, diz.
Gemha afirma que o touro é a principal ferramenta de trabalho dos peões e dos rodeios. Maltratar o animal significa atentar contra o próprio instrumento da profissão.
“O proprietário do boi não vai deixar nunca machucar um animal dele porque o animal só tem valor pulando. Se ele estragar, machucar o animal dele, não vai poder pular. Ele vai parar de ganhar. Os maus-tratos estão na cabeça das pessoas”, defende.
Para se ter uma ideia do quão valiosos os touros de rodeio são, em 2023, o pecuarista Tércio Miranda arrematou o touro Acesso Negado por R$ 1,087 milhão. O recorde anterior pertencia ao touro JD 872 adquirido pelo pecuarista José Carlos de Souza, o Kakau, por R$ 1,005 milhão.
Hussein reforça que as boas práticas para o bem-estar dos animais envolvem fisioterapeutas, médicos veterinários, alimentação balanceada.
O tempo de trabalho dos animais competidores dura os oito segundos da prova e, na maioria das vezes, os touros pularão uma ou duas vezes em toda a etapa da competição.
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