Será a terceira sessão sobre o tema. O julgamento começou com duas sessões na terça-feira (25), com apresentação de argumentos e análise de questões processuais. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (26) o julgamento para decidir se o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados viram réus por tentativa de golpe de Estado. A sessão começou às 9h50.
Logo no começo da sessão, após a leitura da ata, o ministro Alexandre de Moraes começou a leitura do voto. Ele é o relator do inquérito.
Nesta quarta, os votos tratarão diretamente do mérito do caso – ou seja, do pedido da Procuradoria-Geral da República para tornar Bolsonaro e aliados réus em uma ação penal.
Os argumentos da PGR foram apresentados no primeiro dia de julgamento, nesta terça (25). Na ocasião, os advogados dos acusados também apresentaram seus argumentos (veja mais detalhes abaixo).
No trecho inicial de seu longo voto, Moraes:
explicou que, neste momento, cabe avaliar se a denúncia da PGR “traz a exposição dos fatos criminosos, circunstâncias, qualificação dos acusados”;
disse que não é o momento, ainda, de se verificar absolvição e condenação – o que só acontece em seguida, se os denunciados se tornarem réus;
afirmou que a PGR descreveu satisfatoriamente fatos típicos, dando conhecimento aos acusados os motivos pelo que foram apontados;
avaliou que, no caso de Bolsonaro e dos sete outros denunciados, houve “descrição amplamente satisfatória da organização criminosa”, “permitindo aos acusados amplo conhecimento das imputações”;
citou trechos da denúncia em que a PGR fala em uma “organização criminosa estável”, liderada por Jair Bolsonaro, que usava a “ação coordenada” como estratégia;
ressaltou que a PGR descreve manobras para a abolição do Estado Democrático de Direito;
“A organização criminosa seguiu todos os passos necessários para depor o governo legitimamente eleito. Objetivo que, buscado com todo o empenho e realizações de atos concretos, não se concretizou por circunstâncias que as atividades dos denunciados não conseguiram superar: a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica às medidas de exceção.”
Alexandre de Moraes começa explicando didaticamente o que é a denúncia
disse que a materialidade dos crimes já foi reconhecida pelo STF em 474 denúncias ligadas aos atos golpistas de 8 de janeiro – com 251 condenações;
disse que as próprias defesas dos denunciados reconheceram a gravidade dos atos golpistas;
exibiu um vídeo que mostra a violência dos golpistas que invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, naquele dia;
“Existe na ciência o que se chama do viés de positividade. Até por uma autoproteção, nossos cérebros têm o viés de lembrar notícias boas e esquecer as notícias ruins. […] O dia 8 de janeiro de 2023 foi uma notícia péssima para a democracia, para as instituições, para todos os brasileiros e brasileiras.”
“Não houve um domingo no parque, não foi um passeio. Absolutamente ninguém lá estava passeando, porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as barreiras policiais.”
“Não houve um domingo no parque”, diz Alexandre de Moraes
enquanto mostrava as imagens, disse que “nenhuma Bíblia e nenhum batom” eram vistos naquele momento;
disse que é um “absurdo” as pessoas dizerem que não houve violência, não houve agressão, e por isso não há materialidade;
afirmou que, ao contrário do que foi dito por advogados no dia anterior, não é função da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) “fiscalizar as urnas, investigar ou não a confiabilidade das urnas”;
reforçou que o recebimento da denúncia, que o STF está analisando agora, não tem relação com a culpabilidade – que será analisada em outra data;
citou que o governo Donald Trump elogiou o sistema eleitoral brasileiro ao mudar regras eleitorais dos Estados Unidos nesta terça;
Cármen Lúcia e Moraes lembram que Trump elogiou as urnas eletrônicas do Brasil
disse que a organização criminosa planejava ameaçar, inclusive, a família de opositores políticos e militares contrários ao golpe – e que “até a máfia tem um código de conduta” que costuma poupar familiares, ao contrário dos denunciados.
Em seguida, Moraes passou a descrever, de forma pormenorizada, as condutas de cada um dos oito denunciados – para dizer se recebia, ou não, aquela denúncia da PGR.
Denúncia do golpe: o que diz a PGR sobre acusados de participar do ‘núcleo crucial’
As condutas de Bolsonaro
Moraes dedicou uma longa parte de seu voto a descrever as condutas do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado pela PGR como líder da organização criminosa.
Para Moraes, há indícios razoáveis para aceitar a denúncia contra Bolsonaro e transformá-lo em réu.
Moraes diz que há indícios para aceitar a denúncia contra Bolsonaro
Sobre as condutas de Bolsonaro, Moraes disse:
que os indícios reunidos pela PGR apontam Jair Messias Bolsonaro como líder da organização criminosa e demonstrando a participação do ex-presidente da República;
que, em 2021, Bolsonaro começou a organizar uma “estratégia para difundir notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro”, incluindo uma live naquele ano ao lado do então ministro Anderson Torres;
que, a partir da live, Bolsonaro se utilizou das “milícias digitais” e do “gabinete do ódio” para distribuir notícias falsas;
“E a partir disso, é, as urnas eletrônicas começaram a ser atacadas e junto, é, com elas atacado o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal. Na própria live, denunciado Jair Messias Bolsonaro, incitou publicamente a intervenção das Forças Armadas. Depois de atacar as urnas eletrônicas, disse: ‘O Exército Verde Oliva é o Exército do Brasil.'”
que, ainda como presidente, Bolsonaro coordenou os integrantes do governo para atuarem “de modo ilícito” na construção de uma narrativa para atacar as instituições;
que, em discurso na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2021, Bolsonaro disse que não cumpriria mais as decisões de Moraes;
que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontou desvio de finalidade na reunião de Bolsonaro com embaixadores e, por isso, o ex-presidente está inelegível;
que, no episódio do relatório das Forças Armadas contra as urnas eletrônicas, a conclusão do documento “foi feita de forma patética” ao dizer que “não há possibilidade de comprovar que não haverá nenhuma fraude”;
que a denúncia da PGR “demonstrou o conhecimento de Bolsonaro sobre o plano criminoso Punhal Verde e Amarelo”;
“A denúncia ressalta que Jair Messias Bolsonaro tinha pleno conhecimento das ações da organização criminosa. Destaca que, mesmo após a derrota, as Forças Armadas emitissem nota técnica para manter fidelidade de apoiadores”.
“Não há mais nenhuma dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta do golpe. As interpretações sobre o fato vão ocorrer durante a instrução processual”.
que a minuta do golpe deixa claro que houve discussões sobre uma ruptura democrática.
Como foi o primeiro dia
Moraes leu o documento que lista as condutas de Bolsonaro e dos demais acusados e falou em ataques sucessivos à democracia.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou seus argumentos e citou a conduta de Bolsonaro na disseminação de ataques às urnas.
As defesas dos sete acusados e de Bolsonaro apresentaram seus argumentos (leia aqui um resumo).
Os ministros rejeitaram as chamadas questões preliminares, questionamentos apresentados pelos advogados.
Fux foi o único a divergir dos colegas. Ele entendeu que a denúncia do golpe deveria ser julgada no plenário do Supremo.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, durante o julgamento da denúncia contra Bolsonaro por golpe de Estado
Fellipe Sampaio/STF
O que disseram as defesas
Os advogados dos acusados apresentaram os seus argumentos no primeiro dia. Cada representante teve 15 minutos, em ordem definida pelo presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin.
Celso Vilardi, defensor de Bolsonaro, afirmou que, após vasta investigação, não foi encontrado nenhum documento comprometedor com o ex-presidente.
O advogado do ex-ministro Braga Netto, José Luís Oliveira Lima, o “Juca”, afirmou que a PGR não apontou elementos que individualizassem a conduta criminosa do militar. (leia aqui o que disseram os advogados dos oito acusados).
Volte para o índice.
O que diz a denúncia
A denúncia é um pedido para que a Justiça inicie uma ação penal contra uma pessoa acusada de crime. Ou seja, é uma proposta que inaugura um processo para apurar se ocorreu um delito e os responsáveis por ele.
Com base em investigações realizadas pela Polícia Federal — reunidas em um relatório entregue no fim do ano passado —, a PGR apresentou ao Supremo cinco pedidos de abertura de ação penal.
Os 34 denunciados foram divididos pelas cinco acusações. Só uma delas está sendo analisada nesta quarta-feira (26).
Bolsonaro e aliados ainda não são réus nesta apuração específica. Só passam a esta condição se o pedido for admitido pelo Supremo.
Também não são condenados. Isso só vai acontecer se, no final da ação penal, o STF julgar que houve crime e que eles devem ser punidos.
6. Análise da denúncia e recursos
Neste momento inicial, a Corte avalia se a denúncia da PGR atende aos requisitos previstos em lei para tramitar: se a denúncia tem justa causa e se ela é ou não “inepta”. Se não atender às regras, o pedido é rejeitado.
O Supremo tem entendimentos no sentido de que, nesta fase de recebimento da denúncia, deve ficar demonstrado se há elementos mínimos de prova aptos a sustentar a acusação.
Isso porque a avaliação completa do caso será feita de forma abrangente durante o processo penal, em que será garantido à todas as partes o direito de apresentar seus argumentos.
Tanto a PGR quanto os acusados podem recorrer da decisão no próprio STF. Podem ser apresentados, por exemplo, pedidos de esclarecimentos sobre a decisão tomada pelo conjunto dos ministros.
Quem são os oito acusados
Jair Bolsonaro, ex-presidente;
Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
Almir Garnier Santos; ex-comandante da Marinha do Brasil;
Anderson Torres; ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
General Augusto Heleno; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência;
Mauro Cid; ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Quais são os crimes
O órgão de cúpula do Ministério Público apontou que houve cinco crimes:
abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
organização criminosa: quando quatro ou mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três anos.
deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
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