Uma preocupação recente das pesquisas é com o alto índice de abstenção. Institutos incluíram perguntas no questionário para ter mais pistas se o entrevistado vai mesmo votar. Saiba como as pesquisas eleitorais são feitas
No Brasil, faltam 48 dias para as eleições municipais. E, mais uma vez, o eleitor vai contar com um importante instrumento da democracia para se informar: as pesquisas eleitorais.
Como se registram as mudanças de clima em uma eleição? Assim como os meteorologistas analisam as variações do tempo, os institutos de pesquisa têm a função de medir as diferentes temperaturas durante uma disputa eleitoral.
Um dia que começa com sol pode terminar com chuva. E, assim como as condições climáticas, as eleições também estão sujeitas a mudanças de tempo. A pesquisa tem a função de capitar o clima da corrida eleitoral registrando a temperatura da disputa naquele determinado momento. E como é que se faz isso? Ouvindo o eleitor.
“A gente mede a temperatura da eleição. Para quê? Para identificar padrões, para tentar antecipar movimentos que estão acontecendo na opinião pública. Para que o eleitor consiga, a partir dessas ondas, desses movimentos, da evolução dessa temperatura política, decidir o que ele acha que é melhor para cidade dele, para família dele, para ele mesmo”, diz Felipe Nunes, diretor da Quaest.
Para saber a temperatura de cada momento da eleição, a pesquisa usa um método científico. É estatística pura. Primeiro, é preciso definir quem serão os entrevistados. Eles vão representar o universo dos eleitores. Como não daria para entrevistar todos os eleitores do país, o instituto de pesquisa estabelece os critérios para selecionar o grupo de pessoas para espelhar a população. É a amostra.
A Quaest e o Datafolha, institutos de pesquisa contratados pela Rede Globo para fazer as pesquisas de intenção de voto para as eleições municipais, entrevistam de 900 a 1,2 mil pessoas em cada pesquisa, dependendo do tamanho da cidade.
Saiba como são feitas as pesquisas eleitorais
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Se você nunca foi entrevistado, o motivo está na probabilidade. A chance de uma pessoa ser selecionada para participar de uma pesquisa que vai fazer 1,2 mil entrevistas na cidade de São Paulo, por exemplo, onde há mais de 9 milhões de eleitores, é de uma em 7.768. A probabilidade é muito baixa: 0,013%.
Mas como um grupo de cerca de mil pessoas pode expressar a intenção de voto de uma cidade inteira? Luciana Chong, diretora-geral do Datafolha, explica que a amostra precisa ter um perfil semelhante ao do município inteiro. As mesmas características em relação a sexo, idade, escolaridade e renda – com base nos dados do IBGE e do Tribunal Superior Eleitoral.
“A amostra tem que representar, ser um espelho da população. Então, no eleitorado da cidade de São Paulo, se tem 56% de mulheres, a nossa amostra também tem que ter esse mesmo percentual de mulheres. E, assim, a mesma distribuição por idade e pelas regiões da cidade também”, explica Luciana Chong.
O professor Felipe Nunes, diretor da Quaest, destaca mais um critério usado na composição da amostra.
“Para garantir que todos os perfis que existem no eleitorado brasileiro estejam representados na amostra, a gente passou a incorporar informações de eleições anteriores, do comportamento das pessoas em outros pleitos, para também enriquecer o trabalho de desenho e planejamento dessas amostras. Essa é uma inovação que nos parece muito relevante, tem sido adotada em outros países que passaram por processos de polarização e processos de debate político como os que a gente tem vivido nos últimos anos”, afirma Felipe Nunes, diretor da Quaest.
Os pesquisadores da Quaest vão até a casa do eleitor. Já o Datafolha entrevista as pessoas na rua, nos chamados pontos de fluxo.
“O Datafolha tem um banco de pontos de cada município pesquisado, e em cada pesquisa é feito um sorteio desses pontos. Esses pontos estão localizados dentro dos bairros. Não necessariamente têm um grande fluxo de pessoas, mas vão representar as pessoas que circulam dentro daquele bairro”, diz Luciana Chong.
Outra preocupação recente das pesquisas é com o alto índice de abstenção – que passou de 30% em cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Goiânia nas últimas eleições municipais. Muitas vezes, a pessoa diz na pesquisa que vai votar em determinado candidato, mas depois nem aparece nas urnas. Por isso, os institutos incluíram perguntas no questionário para ter mais pistas se o entrevistado vai mesmo votar no dia da eleição.
“A gente passou, desde 2022, a incorporar um modelo estatístico que ajusta a pesquisa exatamente à probabilidade de os eleitores irem ou não votar no dia da eleição. Esses modelos foram trazidos de estudos feitos nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório”, conta Felipe Nunes.
E não dá para se oferecer para ser entrevistado. Isso é contra as regras. A escolha dos entrevistados tem que ser aleatória, para garantir a representatividade da amostra.
A Quaest vai fazer pesquisas contratadas pela TV Globo e afiliadas nas 26 capitais brasileiras que terão eleições. O Datafolha vai fazer pesquisas para a Globo em quatro capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. Também haverá pesquisas em outras cidades brasileiras.
Não dá para saber como vai ficar o tempo daqui a um, dois meses. A pesquisa eleitoral também não faz previsão de quem vai ganhar as eleições. Ela vai dando ao eleitor informações sobre cada momento da disputa até a hora de ir às urnas. É uma ferramenta valiosa para entender o cenário eleitoral, que pode variar a cada pesquisa. Porque basta um vento mais forte para mudar os rumos de uma eleição inteira.
Só se mede com precisão a temperatura de uma eleição quando o termômetro está bem calibrado. Essa é a diferença de uma pesquisa eleitoral e de uma enquete.
“Em uma enquete, faz-se perguntas para o eleitorado sem nenhum tipo de metodologia ou rigor de como as pessoas vão ser selecionadas para participar dessa enquete. No caso da pesquisa, há todo um planejamento amostral para que a gente seja capaz de representar no estudo todos os conjuntos de preferências, interesses, valores, classes, segmentos sociais, para que aquele resultado final seja de fato representativo da opinião, do sentimento, do humor do eleitorado naquele momento”, explica Felipe Nunes, diretor da Quaest.
Pesquisas eleitorais: margem de erro
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Como toda pesquisa por amostragem, existe uma margem de erro, calculada com uma fórmula matemática.
“Quanto maior a amostra, menor a margem de erro, por exemplo. Então, se eu tiver uma amostra com 500 entrevistas, a minha margem de erro vai ser muito maior do que se eu fizer 1,2 mil, que a margem de erro é de 3 pontos percentuais, por exemplo”, diz Luciana Chong.
“A margem de erro é a segurança que o eleitor tem de que aquela informação foi calculada de maneira técnica e científica”, diz Felipe Nunes.
Nestas eleições municipais, a margem de erro nas pesquisas dos dois institutos é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. São cálculos estatísticos que também definem o nível de confiança da pesquisa, que é de 95%. Em outras palavras, significa que se a pesquisa for repetida 100 vezes, em 95 delas o resultado vai estar dentro da margem de erro.
“Pesquisa é o principal instrumento para democratizar a informação em um processo eleitoral. Sem as pesquisas, apenas os partidos, as lideranças políticas iam ter acesso à informação sobre a competitividade, sobre o que está acontecendo no jogo eleitoral”, afirma Felipe Nunes, diretor da Quaest.
“A pesquisa eleitoral faz parte da história da democracia. Há muitas tentativas até de censurar, de proibir a divulgação de pesquisas, principalmente quando chega na reta final, como acontece em alguns outros países. Mas aí você perderia esse instrumento democrático. Porque os candidatos, empresas e partidos vão continuar fazendo as suas pesquisas e terão acesso a esses resultados. Mas a pesquisa divulgada é super importante para o cidadão comum, para o eleitor comum poder ter mais uma fonte de informação para o seu voto”, diz Luciana Chong, diretora-geral do Datafolha.
“É preciso ter muito cuidado para que essas estimativas que serão apresentadas não sejam usadas como previsões do futuro, como se nós estivéssemos tentando adivinhar o que vem pela frente. No fim das contas, é o eleitor que define na urna o que ele acha que é mais importante para vida dele, para cidade dele”, afirma Felipe Nunes.
Até a votação, em outubro, as temperaturas devem subir. A posição dos candidatos nas pesquisas pode variar. Mas, no fim de uma eleição em que o eleitor teve acesso à informação precisa e de qualidade, quem vence é sempre a democracia.