28 de dezembro de 2024

Saúde e Educação podem perder R$ 500 bilhões em nove anos com eventual mudança sobre o piso, mostra Tesouro Nacional

Estimativa consta no relatório de projeções fiscais, divulgado na semana passada pelo órgão, feita com base em simulações. Essa mudança das regras, que ainda não aconteceu, já foi defendida pelo próprio secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. As áreas de saúde e educação podem deixar de receber cerca de R$ 500 bilhões em nove anos, entre 2025 e 2033, caso as regras atuais para o piso (valor mínimo) nessas áreas sejam alteradas, estimou a Secretaria do Tesouro Nacional.
O cálculo, que considera simulações feitas pelo órgão, consta no relatório de projeções fiscais, divulgado na semana passada.
Essa mudança das regras dos gastos mínimos em saúde e educação já foi defendida pelo próprio Tesouro Nacional, com o objetivo de evitar, no futuro, uma compressão dos chamados “gastos livres” dos demais ministérios – problema do arcabouço fiscal já relatado pelo g1.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, informou em abril de 2023 que seria encaminhada, no segundo semestre do ano passado, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para alterar o formato de correção do piso (valor mínimo) dos gastos com saúde e educação.
Até o momento, porém, isso ainda não foi feito.
Sem limitação de outras despesas obrigatórias, a estimativa do órgão é que as despesas livres dos demais ministérios (aquelas que não são obrigatórias) não terão mais espaço a partir de 2030.
Economistas já consultados pelo g1, porém, apontaram que há outras alternativas em cortes de gastos que não sejam necessariamente em saúde e educação.
Eles citaram uma reforma administrativa, uma reforma previdenciária, a consolidação de programas sociais e mudanças no abono salarial, entre outras possibilidades.
O governo tem dito que vai propor revisão de gastos públicos, mas até o momento não indicou outras propostas que não fossem a limitação de despesas em saúde e educação.
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Entenda os pisos de saúde e educação
Desde o início de 2024, foram retomadas as regras anteriores ao teto de gastos (mecanismo aprovado em 2017, que vigorou até o ano passado) para o piso (despesas mínimas) em saúde e educação – que voltou a ser vinculado à arrecadação federal.
Com isso, os gastos em saúde voltaram ser de, ao menos, 15% da receita corrente líquida e os de educação, de 18% da receita líquida de impostos.
Entre 2017 e 2023, com o teto de gastos, os pisos foram corrigidos apenas pela inflação do ano anterior – o que gerou perda de mais de R$ 50 bilhões para essas áreas.
Com o retorno dos pisos mínimos, em 2024, que vigoravam antes do teto de gastos, a saúde foi contemplada com R$ 60 bilhões a mais e a Educação com outros R$ 33 bilhões.
Cálculos do Tesouro Nacional
De acordo com os cálculos divulgados pelo Tesouro Nacional, a mudança das regras atuais para os pisos em saúde e educação poderia gerar uma perda (recursos que não seriam mais “carimbados” para essas áreas) de R$ 190 bilhões a R$ 504 bilhões entre 2025 e 2033 — dependendo do novo formato que for adotado.
O órgão fez essas estimativas com base em três possibilidades. Que os pisos em saúde e educação passem a ser corrigidos:
pelo o limite de despesa do arcabouço fiscal (de até 2,5% ao ano acima da inflação);
pelo crescimento do PIB real per capita do ano anterior;
pelo crescimento populacional do ano anterior.
Veja abaixo o “espaço adicional” que seria aberto para gastos livres dos ministérios, ano a ano, com consequente perda de recursos que seriam necessariamente destinados a saúde e educação, de acordo com as estimativas do Tesouro Nacional.
Estudo da Secretaria do Tesouro Nacional
Reprodução do relatório de Projeções Fiscais de março de 2024
“Esses efeitos são importantes para reforçar a perenidade do Regime Fiscal Sustentável [arcabouço fiscal] no médio e longo prazo, uma vez que são os recursos projetados como ‘demais discricionárias’ que estão disponíveis para implementação de novos projetos governamentais não obrigatórios e que visam atender às necessidades da população em momentos específicos do tempo”, avaliou o Tesouro Nacional.
Especialista comenta
De acordo com Élida Graziane, professora da FGV e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, não seria adequado reduzir os pisos em saúde e educação “porque eles atendem aos serviços públicos mais essenciais para a população, onde há grande demanda reprimida pela expansão da ação governamental”.
A especialista citou exemplos:
Na educação, o déficit de vagas em creches, a baixa oferta de vagas em horário integral na educação básica, a falta de cumprimento do piso do magistério pela maioria dos Estados e Municípios e o inadimplemento de 90% das metas e estratégias do Plano Nacional da Educação.
Na saúde, a demanda reprimida é ainda mais notável pelo tempo de espera por procedimentos eletivos e pela judicialização em busca de medicamentos e procedimentos mais atualizados. A própria incorporação universal de vacinas (vide o caso recente da vacina da dengue) é relativamente lenta, haja vista a restrição de recursos para seu custeio.
“Não há como reduzir tais políticas públicas, sem comprometer ainda mais o acesso da população ao SUS e à educação básica, em afronta a direitos que, por serem tão recorrentemente negados e/ou adiados, têm sido cada vez mais judicializados”, declarou Élida Graziane, professora da FGV e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.
A alternativa à uma eventual “revisão reducionista” de gastos em saúde e educação, segundo ela, seria sua qualificação para que fossem efetivamente cumpridos os planos setoriais.
“Se os pisos em saúde e educação fossem materialmente aderentes aos planos sanitário e educacional, visando ao cumprimento tempestivo e pleno das suas metas, o foco não seria a redução imediata dos gastos, mas a sua qualidade, mitigando a alocação balcanizada das emendas parlamentares desatentas a tais planos setoriais e os desvios que ocorrem durante a execução orçamentária”, concluiu.
O que diz o Tesouro Nacional
O g1 entrou em contato com o Tesouro Nacional e perguntou se a equipe econômica irá encaminhar, de fato, proposta ao Congresso para mudar os atuais formatos de pisos em saúde e educação, e se há possibilidade de utilização das simulações do estudo divulgado na semana passada.
O órgão respondeu que os questionamentos “fogem à discussão técnica ilustrada no RPF [relatório], já que tratam de decisões políticas que envolvem questões de conveniência e oportunidade sobre a alteração de regras vigentes”.
Confirmou, entretanto, que os exercícios ilustrados no relatório “mostram critérios alternativos de vinculação dos mínimos com saúde e educação que trariam maior disponibilidade de recursos para uso em despesas discricionárias [livres dos ministérios], as quais pressupõem maior liberdade de alocação pelo Estado”.
“Esses recursos adicionais poderiam ser alocados em saúde e educação também, de acordo com a prioridade social de cada momento. Assim, não se pode afirmar que ‘saúde e a educação deixariam de receber esses mesmos R$ 500 bilhões nos nove anos da estimativa'”, acrescentou o Tesouro Nacional.
Desta forma, o que o Tesouro explicou é que, mesmo que esses recursos deixem de ser destinados necessariamente à saúde e à educação com a eventual mudança de regras, defendida pela equipe econômica do governo Lula, decisões políticas do governo e do Congresso Nacional poderiam, posteriormente, direcionar novamente os valores para estas áreas “de acordo com a prioridade social de cada momento”.

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