Desvios ocorreram pelo menos durante um ano e medicamentos, que somam R$ 1,1 milhão, foram enviados para o Espírito Santo. Penas variam de 12 a 18 anos de prisão. Servidor, esposa, genro e enteada são condenados de participação nos desvios
Montagem g1
A Justiça condenou nesta quinta-feira (7) seis pessoas, entre elas um servidor público, pelo desvio de medicamentos da farmácia judicial do Departamento Regional de Saúde 7 (DRS-7). Os remédios furtados, usados para tratamento de câncer, somam R$ 1,1 milhão. As penas variam de 12 anos e um mês a 18 anos e dois meses. Cabe recurso.
O caso que deu início à investigação aconteceu no final de 2023, mas segundo a Polícia Civil, não foi isolado. O servidor do SUS, José Carlos dos Santos, desviava os produtos pelo menos um ano antes da operação que resultou na prisão.
Veja quem são e quais as penas dos condenados:
José Carlos dos Santos: servidor público da farmácia judicial. Foi condenado a perda do cargo, 12 anos e um mês de reclusão, além de 53 dias-multa.
Maria do Socorro: esposa de José Carlos. Foi condenada a 12 anos e um mês de reclusão, além de 53 dias-multa.
Gabriella Carvalho: enteada de José Carlos. Foi condenada a 12 anos e um mês de reclusão, além de 53 dias-multa.
Juliana Ritter (foragida): Foi condenada a 12 anos e um mês de reclusão, além de 53 dias-multa.
Michael Carvalho (apontado como um dos chefes da organização): marido de Gabriela e genro de José Carlos. Foi condenado a 14 anos e sete meses de reclusão, além de 62 dias-multa.
Gleidson Lopes Soares (apontado como um dos chefes da organização – foragido): comprador dos remédios no Espírito Santo. Foi condenado a 18 anos e dois meses de reclusão, além de 77 dias-multa.
Todos os réus foram condenados por peculato e organização criminosa. Eles também tinham sido denunciados por armazenar incorretamente os medicamentos furtados, o que gerou o descarte deles. O juiz Caio Ventosa Chaves, da 4ª Vara Criminal de Campinas, apontou que, como os remédios foram descartados, não há registro de prova material, o que levou à absolvição.
O caso
O furto de R$ 1,1 milhão em remédios contra o câncer da farmácia judicial do Departamento Regional de Saúde (DRS) de Campinas (SP), no final de 2023, não foi um caso isolado.
Em janeiro deste ano, o Fantástico conseguiu com exclusividade imagens e áudios da atuação da quadrilha e teve acesso aos detalhes da investigação que revelam o trajeto dos remédios das geladeiras da farmácia do DRS até os receptadores.
Quadrilhas roubam remédios de alto custo, comprados com dinheiro público, para vender ilegamente
À época da investigação, o delegado da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas, Elton Costa, já apontava Michael como um dos chefes da organização.
“O Michael acreditamos que seja o cabeça do esquema porque foi ele que possibilitou a criação do mercado ilegal. Sem mercado, sem demanda, não haveria interesse e possibilidade que o funcionário José Carlos fizesse os furtos”, afirmou o delegado Elton Costa, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas.
Casal de Serra (ES) é suspeito de atuar na receptação dos remédios furtados
Reprodução/TV Globo
José Carlos, Maria do Socorro e Gabriella estão presos desde o início do mês por determinação da Justiça.
Ao Fantástico, a defesa de José Carlos, Maria e Gabriella negou que eles tenham furtado os medicamentos contra o câncer, mas reconheceu que José desviou alguns medicamentos do SUS. Já a defesa de Gleidson e Juliana disse que ela não sabia do esquema e ele não tinha ciência de que os remédios eram furtados. Veja o posicionamento dos advogados na íntegra no final desta reportagem.
Como atuava servidor e seus familiares
Segundo a Polícia Civil, remédios de alto custo da farmácia judicial de Campinas estavam sendo desviados há pelo menos um ano e eram vendidos e enviados em caixas de isopor para um casal no estado do Espírito Santo.
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José Carlos era o responsável por furtar os remédios de dentro da farmácia, onde trabalhava. Investigadores disseram que o servidor público sempre levava uma mochila grande para o trabalho.
“Vimos que trazia com ele uma mochila, mochila grande. Efetivamente ele se utilizava dessa mochila para levar os medicamentos. E essa mochila precisava ser grande porque muitos medicamentos precisavam ser levados em caixas de isopor. E isso foi muito conclusivo porque as caixas de isopor encontradas na casa dele era necessário serem transportadas numa mochila daquele tamanho”, explicou o delegado.
Câmeras de Segurança flagraram Michael e Gabriella em empresa de despacho aéreo
Reprodução/TV Globo
Gabriella Carvalho e o marido, Michael, eram os responsáveis por vender e despachar os remédios por meio de empresas de logística aérea no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas.
“Nós fomos na casa dessa moça (Gabriela) e lá encontramos diversos objetos que mostram que os remédios estiveram lá. E encontramos alguns remédios guardados na geladeira e alguns guardados pela casa. Tornou-se inequívoca a participação (do casal)”.
Maria do Socorro era faxineira de profissão, mas foi apontada como responsável por encaminhar os pedidos de Michael para José e receber a parte deles no esquema. Investigadores encontraram comprovantes de depósitos pix na conta dela, que confessou participação no esquema.
“Esses 200 mil na conta era de faxina?”, perguntou a polícia. “Não, era das ações do Zé Carlos”, respondeu Maria.
Em um áudio obtido pelo Fantástico, Michael faz pedidos para Maria do Socorro. “Manda mensagem para ele. Liga para ele. Manda carta. Manda aqueles carros que faz som do lado de fora: Zé Carlos, enche o mochilão”.
Caixas de medicamentos foram encontradas na casa do servidor, mostra delegado
João Gabriel Alvarenga/g1
Receptadores lideram uma ONG no ES
Segundo a polícia, os comprados dos remédios desviados eram Gleidson Lopes e Juliana Ritter. Eles dirigem uma ONG de apoio a pessoas com dificuldade de locomoção em Serra (ES). Juliana ainda é assessora parlamentar e dona da Saúde e Vida Comércio e Representações, empresa de produtos hospitalares.
Investigadores conseguiram rastrear transferências bancárias das contas de Juliana e da empresa dela para Maria do Socorro. Além disso, o carro de luxo que estava com Michael e Gabriella era registrado no nome de Juliana, por isso, a polícia suspeita que o pagamento do veículo era feito com remédios furtados.
“Tagriso, vemclexta, stelara de 90. O que tiver pode trazer para gente quitar o carro. Quitar o carro, mais rápido, melhor”, diz um áudio de Michael obtido pela Polícia.
Para a polícia, não há dúvida da ligação da família do servidor com o casal do Espírito Santo.
“Então, existe um liame entre todos, que liga todos. Seja por troca mensagem por celular, seja por transação financeira”, afirmou Fernando Bardi, diretor da Polícia Civil na região de Campinas.
O que falta esclarecer
A Polícia Civil ainda quer esclarecer como funcionava o esquema no Espírito Santo. Quem era os compradores finais dos medicamentos e o quanto o casal de Serra lucrava com o esquema.
Impacto nos pacientes
O remédio furtado no final do ano da farmácia é o Pembrolizumabe, poderoso imunoterápico usado contra vários tipos de cânceres. Uma das 79 caixas furtadas era do paciente Sílvio Barone, de 69 anos, que obteve decisão da Justiça obrigando o governo do estado a fornecer o medicamento.
“Só tem um medicamento que combate isso (o câncer dele). Esse medicamento, que coincidentemente é tecnologicamente muito forte, ele é tudo, ele é minha esperança”, contou Barone.
Pembrolizumabe é imunoterápico ultramoderno, diz oncologista
Arquivo pessoal
Segundo o paciente, ele chegou a ir três vezes na farmácia judicial da DRS, mas voltava para casa sem o medicamento e sem nenhuma explicação para a falta. Só depois soube do furto.
“Ele não roubou valores, ele não roubou uma caixa de sorvete, ele roubou um par de sapato. Ele roubou a expectativa de vida de uma família, de uma pessoa que trabalhou a vida inteira”, lamentou Barone, que teve o medicamento reposto no dia 12 de janeiro.
O que diz a defesa dos citados
A advogada Giovana Casemiro Garcia, que representa José, Maria e Gabriella, negou eles tenham furtado a carga de R$ 1,1 milhão em medicamentos contra o câncer, mas admitiu que o servidor desviou alguns remédios da farmácia.
“A confissão deles vem para colaborar com a nossa tese defensiva de que eles devem ser responsabilizados pelos atos que cometeram, mas na medida de suas culpas”.
O advogado que representa Gleidson Lopes e Juliana Ritter afirmou que ela não tinha nenhuma participação na compra dos remédios e que ele não sabia que os medicamentos eram furtados. Disse ainda que Juliana confiava suas contas bancárias ao marido.
“Então, a esposa forneceu essa possibilidade para que ele, uma relação de confiança esposa e marido, pudesse gerir, pudesse trabalhar utilizando as contas bancárias pessoa física dela e a empresa que estava em nome dela pela mesma razão”, disse o defensor.
Sobre o carro de luxo de Juliana que estava com Michael, o advogado disse que o homem estava ajudando ela a vender. “Michael ficou incumbido de vender e ganharia um valor de comissão por vender esse carro”.
A defesa de Michael não foi localizada.
O que diz o governo do estado
A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo disse em nota que suspendeu o pagamento do José Carlos e que o Departamento Regional de Saúde, onde ficam os remédios, mudou os protocolos de segurança e acesso. Afirmou ainda que abriu processo licitatório para repor o estoque dos medicamentos furtados.
Departamento Regional de Saúde 7 (DRS-7), em Campinas
Reprodução/EPTV
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