1 de novembro de 2024

Sete rios e afluentes na Terra Yanomami estão contaminados por mercúrio usado em garimpos


Projeção é feita pela WWF-Brasil, baseada na probabilidade e em dados do Observatório do Mercúrio. Estudo indica que peixes encontrados nos rios tem alto potencial de bioacumulação de mercúrio, com valores acima do estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sete rios e afluentes na Terra Yanomami estão contaminados por mercúrio usado em garimpos
Sete rios na Terra indígena Yanomami e três afluentes deles estão contaminados por mercúrio e têm peixes com alto índice de contaminação. É o que aponta uma projeção da WWF-Brasil, organização não governamental voltada para a preservação do meio ambiente, divulgada nessa quarta-feira (30).
Os rios são Parima, Uraricaá, Amajari, Apiaú, Uraricoera, Mucajaí e o Couto de Magalhães. As afluentes são Auaris, Trairão e Ereu, na bacia do rio Uraricoera.
Rio Mucajaí, no Sul de Roraima, em março de 2024.
Oséias Martins/Rede Amazônica/Arquivo
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Eles ficam próximos de áreas de garimpo ilegal, onde os invasores usam o metal durante a extração de minérios. A bacia do Uraricoera é a via fluvial mais usada pelos garimpeiros para entrar na Terra Yanomami, e o rio Mucajaí, um dos mais afetados pela atividade ilegal no território.
Imagens de satélite evidenciam garimpos na bacia do Uraricoera, na Terra Yanomami.
ESRI. Adaptado usando QGIS.
O estudo da WWF-Brasil usa um modelo baseado na probabilidade, desenvolvido pela Agência Ambiental Americana (U.S. Environmental Protection Agency – USEPA), para projetar a distribuição e bioacumulação de mercúrio em grandes bacias amazônicas a partir do destino ambiental do mercúrio.
A concentração do metal foi analisada com base nos dados do Observatório do Mercúrio, uma plataforma desenvolvida pelo WWF-Brasil em parceria com outras instituições.
“Um dos grandes desafios de se estudar a Amazônia é a escassez de dados amostrais. O estudo de modelagem ajuda a enfrentar esse desafio, contribuindo com o entendimento da dinâmica do mercúrio em um bioma tão complexo e sensível através de outras fontes de informação”, explica Vitor Domingues, analista ambiental e um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Usado por garimpeiros para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo “limpo”, o mercúrio é um metal altamente tóxico ao ser humano. Após ser usado, ele é depositado nos rios — processo que passa pela evaporação do material e circulação na atmosfera, causando poluição ambiental. Além disso, entra na cadeia alimentar dos animais e afeta diretamente a saúde da população, principalmente os povos tradicionais (entenda mais abaixo).
Rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami.
Bruno Kelly/HAY/Arquivo
➡️ O estudo apontou que o rio Uraricoera e o Mucajaí apresentam um maior potencial de bioacumulação de mercúrio em peixes, com valores acima de 0,31 microgramas por grama (μg/g) para peixes não-piscívoros (que comem alimentos de origem vegetal) e 1,79 μg/g para piscívoros, que se alimentam exclusivamente de outros peixes — os valores estão acima do limite aceitável de 0,5 µg/g, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os rios Parima, Uraricaá e Amajari, e afluentes como Auaris, Trairão e Ereu na bacia do Uraricoera também apresentaram alto potencial de bioacumulação. Na bacia do rio Mucajaí, se destacam o rio Apiaú e o Couto de Magalhães.
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Os riscos à saúde causados pelo uso de mercúrio no garimpo
Localizada em Roraima e no Amazonas, a Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil em extensão territorial e enfrenta uma crise sanitária e humanitária causada pelas ações do garimpo ilegal. O território abriga 31 mil indígenas, que vivem em 370 comunidades.
Em 2022, um laudo da Polícia Federal sobre contaminação dos rios na Terra Indígena Yanomami revelou que quatro rios da região estavam altamente contaminados por mercúrio, com nível 8600% superior ao estipulado como máximo para águas de consumo humano.
À época foram analisadas amostras das águas correntes dos rios Couto de Magalhães, Catrimani, Parima e Uraricoera, todos próximos a garimpos ilegais.
Em abril de 2024, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Socioambiental (ISA) também apontaram que em 9 comunidades Yanomami, 94% dos indígenas têm alto nível de contaminação pelo metal. As comunidades que participaram da pesquisa ficam às margens do rio Mucajaí.
Ciclo de contaminação do mercúrio
Mercúrio é usado em garimpos ilegais.
Ipen/Divulgação/Arquivo
O ciclo de contaminação do mercúrio começa com o processo de amalgamação, técnica que faz com o ouro e o mercúrio se fundam em uma liga metálica para que o metal precioso possa ser extraído “limpo”.
Depois, a liga é aquecida, fazendo com que o mercúrio evapore e passe a circular na atmosfera. Segundo o estudo, a maior parte do mercúrio gasoso é “guardada” nas árvores próximas ao garimpo e depois depositada no solo.
Na análise dos pesquisadores, a maior parte do mercúrio que chega aos rios é absorvido nas partículas do solo. O desmatamento de árvores, por exemplo, acelera o processo de erosão e, consequentemente, a deposição de metal tóxico nos rios.
“Esse solo vai ser transportado até os rios em processos erosivos que podem ser naturais ou podem ser inclusive agravados por atividades antrópicas, como desmatamento ou queimadas. Esse solo é carreado até os cursos hídricos e neles essas partículas de solo, esses sedimentos, são transportados por longas distâncias, podendo parar inclusive no oceano”, explica Vitor em entrevista ao g1 e a Rede Amazônica.
Com pouco oxigênio e altas concentrações de matéria orgânica, o mercúrio particulado se transforma em metilmercúrio. É nesta forma que ele é capaz de se acumular na cadeia alimentar, especialmente em peixes “canibais”. Esses peixes são consumidos pelas populações locais, que podem adoecer.
Recomendações
A ideia do estudo é fornecer as bases científicas necessárias para planejar e implementar políticas públicas eficazes e adequadas às realidades locais das regiões afetadas pela contaminação do metal. Ele recomenda como necessária:
A implementação de um programa de monitoramento amplo, adaptado às condições das diferentes sub-regiões. O sistema deve priorizar áreas mais vulneráveis e buscar produzir informações que aprimorem o planejamento de maneira iterativa. A colaboração com comunidades e parceiros locais é chave para alcançar resultados contínuos e abrangentes;
O aprimoramento da legislação brasileira, substituindo os limites fixos atualmente estabelecidos por parâmetros baseados em análise de risco que considerem o alto consumo de peixe na região;
O estabelecimento de um conselho alimentar ativo e dinâmico, capaz de fornecer diretrizes claras para as populações locais acerca do consumo de peixe. As orientações devem considerar as diferentes espécies e sua frequência de ingestão, respeitando sempre as características socioeconômicas de cada comunidade;
A implementação de um sistema padronizado de informações e a complementação das bases de dados existentes, como o Observatório do Mercúrio, para apoiar o planejamento governamental e guiar a tomada de decisões.
Terra Yanomami
Com 9,6 milhões de hectares, a Terra Yanomami é considerada o maior território indígena do Brasil em extensão territorial e enfrenta uma crise sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa.
O território é alvo do garimpo ilegal há décadas, mas a invasão se intensificou nos últimos anos. A atividade impacta diretamente o modo de vida dos povos originários, isto porque a invasão destrói o meio ambiente, causa violência, conflitos armados e poluição dos rios devido ao uso do mercúrio.
Em janeiro do ano passado, o governo federal começou a criar ações para enfrentar a crise, com o envio de profissionais de saúde, cestas básicas e materiais para auxiliar os Yanomami. Além disso, forças de segurança foram enviadas para a região para frear a atuação de garimpeiros no território.
Mesmo com o enfrentamento, um ano após o governo decretar emergência, o garimpo ilegal e a crise humanitária permanecem na região.
Em março, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) estimou que cerca de sete mil garimpeiros ilegais continuam em atividade no território. O número de invasores diminuiu 65% em um ano, se comparado ao início das operações do governo federal, quando havia 20 mil invasores no território.
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