A brasileira Tamires esconde seus status de imigração para não ameaçar o trabalho que tem como babá Brasileira é imigrante ilegal nos EUA e trabalha para família apoiadora de Trump
Getty Images via BBC
Há sete anos, a brasileira Tamires* imigrou para os Estados Unidos em busca não apenas de prosperidade financeira, mas também de novas experiências – e de melhores oportunidades para seu filho adolescente.
“Meu objetivo nunca foi ficar rica. Para mim, era mais sobre oportunidades, por exemplo a de aprender outro idioma, algo que eu já havia tentado antes. E realmente consegui. Hoje, além do português, falo inglês e espanhol. Isso amplia muito a visão de mundo.”
Administradora de formação, ela deixou seu trabalho em uma multinacional brasileira e seguiu para os EUA com um visto de turista. Com o passar dos anos, foi pedindo renovações, e a última venceu há três anos.
Mesmo sem direito para residir, Tamires conta que nunca precisou restringir suas atividades.
“Consigo levar uma vida relativamente normal aqui. Tenho carro, carteira de motorista, uma casa e acesso a diversos serviços.”
Hoje, em Nova York, ela trabalha na área financeira, além de fazer alguns serviços como personal organizer e atuar como babá.
“Como muitos imigrantes, faço de tudo um pouco por aqui.”
Mas, com o ínicio de um novo governo do republicando Donald Trump e suas promessas para deportar imigrantes ilegais, Tamires, e muitos da comunidade brasileira da qual faz parte, sentiram o ‘clima de normalidade’ mudar.
Para ela, em especial, o trabalho como babá se tornou mais sensível por trabalhar para americanos que apoiaram a campanha do Trump e as posições conservadoras do atual presidente.
Patrões Trumpistas
Embora não conversem diretamente com Tamires sobre política, a brasileira conta que as posições sempre foram muito discutidas entre o casal para o qual trabalha.
“O pai da família é mais vocal – tem bonés e camisetas que mostram seu apoio ao Trump. Ele também faz comentários racistas e xenofóbicos. Minha irmã, que antes também trabalhava para eles, foi chamada de ‘black’ (preta) e ‘latina’ de uma forma pejorativa quando eles tiveram uma discussão.”
Tamires relata que recentemente ouviu a patroa dizer que só concorda com a deportação de criminosos, mas que o marido dela discordou, dizendo que todos em situação ilegal deveriam sair do país.
Por medo, Tamires não contou ao casal que seu visto expirou.
“Fiquei triste e pensei no meu filho, que conviveu muito com eles enquanto crescia, e que seria tirado da escola e do que conhece como vida se isso acontecesse.”
“Meu visto ainda estava válido quando comecei a trabalhar, e eles têm uma cópia do meu passaporte em casa porque viajamos juntos. Já vi várias vezes pessoas sendo denunciadas aqui, até pelos próprios ex-chefes, muitas vezes por se sentirem ofendidos ou acharem que houve alguma deslealdade. Por isso, não me sinto segura em contar.”
“Todos que trabalham para eles são imigrantes, não são pessoas que nasceram aqui. E você vê claramente, especialmente o homem, tratando as pessoas como se ele estivesse em uma posição superior.”
Por outro lado, Tamires conta que ele parece ter orgulho de ter contratado uma babá brasileira.
“Ele tira fotos dos pratos que eu faço e manda nos grupos de amigos, contando que os filhos comem comida brasileira. Então nunca teve nada ofensivo direcionamento pessoalmente para mim, sabe?”
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Apesar de se sentir desconfortável em algumas situações, Tamires diz não pensar em deixar o trabalho.
“Eu tenho cuidado porque é uma família boa para mim, que valoriza o meu trabalho e me recompensa muito bem financeiramente. Além disso, tenho um vínculo afetivo com as crianças e uma boa relação especialmente com a mãe.”
Ela acredita que os planos de deportação anunciados por Trump não sejam levaos à cabo.
“Essa situação pode prejudicar quem está aqui. As pessoas estão preocupadas com a deportação, mas e depois? Como fica a vida aqui? Quem vai manter os negócios funcionando? Quem vai cuidar das crianças, cozinhar, limpar? Uma amiga minha comentou: ‘Agora vai faltar muito trabalho’. Eu perguntei: ‘Para quem?’. Porque não vai ter gente para fazer esse trabalho. O americano não quer fazer, e os imigrantes que já têm documentos também não estão dispostos a ocupar esses postos.”
Sentimento de pânico
No seu outro serviço, porém, onde tem um cargo na área financeira, Tamires deixou de comparecer pessoalmente.
“Tenho trabalhado de casa porque sei que há outros imigrantes ilegais na empresa. Alguns nem passaporte ou certidão de nascimento trouxeram, o que dificulta até conseguir uma identificação oficial. Tenho medo que aconteça uma batida.”
Ela faz parte da liderança de um grupo de brasileiros nos EUA que serve para trocas de dicas, experiências e oportunidades de trabalho, e tem percebido o comportamento daqueles que não estão em situação legal mudar.
“Está todo mundo com medo. Recebo dezenas de mensagens de pessoas angustiadas, fazendo as mesmas perguntas. Querem saber se devem deixar o país caso a extensão do visto seja negada, se a mudança de status pode ser cancelada ou se seria melhor simplesmente recomeçar a vida no Brasil.”
“Passo o dia orientando como posso, encaminhando informações sobre advogados, igrejas que oferecem apoio e serviços gratuitos. Mas essa é uma questão muito séria, uma questão de sobrevivência para muitos”, diz ela, descrevendo que o relato dos voos com imigrantes ilegais algemados e agredidos causa ainda mais pânico.
“Algumas notícias aumentam a gravidade das coisas, e eu tento tranquilizar as pessoas: ‘Não é bem assim, não tem ninguém batendo na porta para levar a gente’. Mas, ao mesmo tempo, reconheço que a situação está tensa.”
Tamires também relata ter medo de perder acesso a serviços porque não tem mais um número de seguridade social, que é um registro essencial para trabalhar legalmente, acessar benefícios públicos e realizar diversas operações financeiras nos EUA.
“Estão tentando barrar planos de saúde para quem não tem número de seguridade social. Se isso acontecer, mesmo Nova York sendo uma cidade santuário, posso perder meu plano de saúde e o do meu filho.”
As “cidade santuário” são algumas daquelas com grande presença de migrantes sem documentos que têm políticas locais mais favoráveis à migração do que outras partes do país. Além de Nova York, Los Angeles, Houston, Chicago e Atlanta são alguns exemplos que se autodenominam com o título.
“Também tenho medo de não poder dirigir, algo que é essencial para os meus trabalhos. A partir de maio, só será possível viajar com carteira de motorista se ela for do tipo “Real ID”, que exige número de seguridade social. Como não tenho, precisarei de passaporte válido para viagens internas, o que gera preocupação. Se me pararem, pode levantar questionamentos sobre minha situação imigratória.”
Tamires teme que as deportações causem um impacto econômico grave. “Preciso começar a pensar em um plano B, porque essa situação não vai ser sustentável por muito tempo.”
Segundo ela, é comum haver tensão no início de um governo, mas o anterior não alimentava o discurso de ódio como o atual.
“Ele espalha medo, uma estratégia recorrente em governos de extrema-direita no mundo todo. O ódio se propaga e dá a qualquer pessoa na rua a sensação de que pode te xingar ou mandar você embora.”
Ela mesma já foi alvo de insultos no trânsito, ouviu que deveria falar inglês por estar “no país deles”. Ao mesmo tempo, também encontrou acolhimento.
“Dependendo de como as coisas evoluírem, preciso refletir até que ponto os Estados Unidos ainda são um lugar bom para mim. Qualquer coisa é melhor do que viver com esse medo constante.”
*O nome da entrevistada foi mudado para preservar sua identidade