Toda essa criatividade impulsiona o empreendedorismo de várias mulheres que ajudam a sustentar mais de 20 famílias da comunidade Boa Vista, no distrito de Santa Rosa, em Aracruz. Rosiana Carvalho é artesã há 13 anos em Aracruz, no Espírito Santo
Priscilla Nobres/Prefeitura de Aracruz
A arte transforma as folhas de taboa, que crescem às margens do rio Piraquê-Mirim, em Aracruz, no Norte do Espírito Santo, das tradicionais esteiras à chapéus, luminárias, bolsas, cestos e outros artigos de decoração. Toda essa criatividade impulsiona o empreendedorismo de várias mulheres que ajudam a sustentar mais de 20 famílias da comunidade Boa Vista, no distrito de Santa Rosa.
Compartilhe no WhatsApp
Compartilhe no Telegram
Com o dinheiro dos produtos, feitos da planta aquática, as artesãs fazem a compra no mercado, compram remédios na farmácia, pagam cursos profissionalizantes para os filhos e até constroem suas próprias casas.
Taboa servia de colchão para os filhos
Aos 76 anos, a aposentada Aldir Carvalho contou ao g1 que, desde os 13 anos, usava as folhas da planta para confeccionar esteiras e travesseiros.
A princípio, sem muitas condições, os artigos ajudavam a família simples a dormir melhor, com mais conforto devido à maciez das palhas da taboa. A planta se transformava em espécie de colchão para deixar as noites de sono dos pequenos mais tranquilas.
Aldir Carvalho, com mais de 70 anos tecendo as folhas de taboa no Espírito Santo
Arquivo Pessoal
“Eu tinha que trabalhar na roça para ajudar em casa. Apanhava café e fazia o serviço que tinha. Comecei a fazer as esteiras de taboa e vendia. Era o que garantia um dinheirinho certo e foi assim que criei meus 16 filhos. A gente tinha dificuldade de dinheiro, fazia colchão e travesseiros para eles. Tudo o que tenho hoje foi por causa da taboa. Me lembro que entreguei uma encomenda grande de mais de 30 esteiras de mais de 10 metros cada uma. O carro saiu pesado daqui”, relembrou dona Aldir.
A aposentada não tinha a dimensão do que a planta poderia render além das esteiras. Que poderia ser garantia de renda de famílias e decorar ambientes de inúmeras formas.
Ainda hoje, a esteira é o principal produto feito a partir dessa matéria-prima na comunidade. Aldir fica toda orgulhosa com os objetos que ‘brotam’ da criatidade das artesãs.
Taboa usada como colchão por famílias ribeirinhas de Aracruz se transforma em arte
Tradição de geração em geração
Atualmente, são as filhas, noras, netas de Aldir e outros membro da comunidade que utilizam essa matéria-prima para confeccionar bolsas, bijuterias, cestas, sousplats e mini esteiras.
As peças têm variação de R$ 10 a R$ 200. As feiras e as redes sociais têm ajudado a impulsionar o negócio. A intenção das artesãs é que a taboa ganhe o gosto do Brasil e do mundo.
“Eu aprendi com a minha mãe, olhando ela fazer, desde ir ao brejo cortar a taboa até tecer a esteira, então hoje eu quero que essa produção se torne fonte de renda para a nossa família. Eu e meus irmãos dormíamos em esteiras e travesseiros feitos pela minha mãe. Algumas pessoas vêm a nossa porta comprar as esteiras e eu quero dar continuidade a esse trabalho, não deixar a tradição se perder, ir passando de mão em mão, para que os jovens também aprendam. E que nossos produtos sejam até exportados”, ressalta Rosiana Carvalho, filha de Aldir.
A artesã Rosiana Carvalho trabalha com a taboa há mais de 13 anos. Ela disse que ajuda o marido nas tarefas da roça e simultâneamente trabalha com a taboa para ajudar na criação de seus dois filhos. Ela já até conseguiu pagar um cursinho para a filha com o dinheiro da taboa.
Planta aquática se transforma em arte no Espírito Santo, Aracruz
Priscilla Nobres/Prefeitura de Aracruz
“Por aqui o trabalho não para. O serviço é um pouco difícil, mas é prazeroso. Meu marido usa foice para cortar a taboa no brejo. Depois precisa secar de 12 a 15 dias para se transformar em produtos prontos para a venda”, explicou.
📲 Clique aqui para seguir o canal do g1 ES no WhatsApp
A artesã Joana Karla das Virgens é nora de dona Aldir e disse que se reúne com outras mulheres para tirar a taboa do brejo. Ela disse que a renda da planta ajuda a complementar a renda da família.
“Nos unimos e vamos juntas. O trabalho é pesado, ainda mais quando atolamos por lá. A gente gosta de produzir conversando, por aqui não falta assunto. Passamos horas e horas inventando e tecendo. Tudo com muito prazer”, contou aos risos.
Apoio e orientação
A Prefeitura de Aracruz em parceria com o Sebrae/ES, vem promovendo encontros de capacitação e imersões desse grupo de artesãs com outros núcleos do estado que também trabalham com a taboa. A partir desses momentos, elas já puderam conhecer outras possibilidades de utilização da planta.
Artesãs em encontro do Sebrae em Aracruz, no Espírito Santo
Arquivo Pessoal
As artesãs se reunem no galpão da Associação de Agricultores local, mas as peças, geralmente, são produzidas na casa de cada uma.
A Prefeitura de Aracruz, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, desenvolve um trabalho com a comunidades ribeirinhas beneficiárias da Reserva de Desenvolvimento Sustentável dos rios Piraquê-açu e Mirim.
“Nesse trabalho buscamos fortalecer a cultura e garantir as sustentabilidade dos produtos extraídos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável. A viabilização de alternativas de renda locais, contribuem para que todos valorizem a conservação e permita o protagonismo das pessoas que ali vivem. Pra fortalecer esse trabalho construímos parcerias, como a que fizemos com o Sebrae para qualificar o produto tradicional do artesanato da taboa e ensinar as mulheres o caminho de conquistar o mercado e valorizar os seus produtos”, explicou o secretário Aladim Fernando Cerqueira.
Sustentabilidade e preservação ambiental
Além da memória afetiva resgatada durante a produção e a geração de renda para as artesãs, a sustentabilidade também faz parte desse trabalho.
“O resgate da técnica como fonte de renda possibilita o empoderamento financeiro de mulheres ao mesmo tempo em que diminui a pressão por outros recursos dentro da Unidade de Conservação, como por exemplo a cata de caranguejo. Quando uma atividade é desenvolvida é preciso que o órgão responsável esteja ciente, e respalde que tal atividade gere pouco ou nenhum impacto negativo no local. No caso da taboa, que é uma espécie disponível naturalmente em áreas alagadiças, não é necessário um manejo muito específico, respeitando um rodízio de área, sempre tem material para se trabalhar”, destaca a bióloga e coordenadora de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, Priscilla Nobres.
Artesã retirando taboa de brejo em Aracruz, no Espírito Santo
Priscilla Nobres/ Prefeitura de Aracruz
O g1 conversou com a analista técnico do Sebrae Roberta Vieira Stoco. Ela disse que os programas de apoio aos empreendedores auxilia os artesãos a enxergarem a sua arte como uma fonte de renda e que é possível formalizar o seu negócio e ser muito bem sucedido na área.
“Nós temos o programa Acelera Artesanato que tem como objetivo ajudar os artesãos a melhorar o design de suas peças e dar aos mesmos acesso ao mercado com o apoio para participação em feiras. Temos também o projeto Vozes do Artesanato que são vídeos contando a história de artesãos, servindo de exemplo para que outros artesãos possam se inspirar e também para que a população em geral conheça como é rica a história do artesanato capixaba e seus artesãos. Também temos palestras, oficinas, cursos e consultorias direcionados para o atendimento dos artesãos”, explicou Roberta.
Roberta disse ainda que quando se encara o artesanato como trabalho, como valorização da cultura e das raizes locais, é possível realizar um trabalho com um grande valor agregado, indo além de um simples produto, mas sim, algo que tenha uma história para contar.
“É isso que o público consumidor de artesanato quer! Peças que tenham vida e história! E quando o artesão consegue alinhar além de tudo isso, a sustentabilidade, trazendo oportunidade de preservação local. E se for possível agregar a oportunidade de trazer turistas para conhecer o local onde as peças são fabricadas, conhecer a história local e aprende sobre preservação local, teremos aquilo que as pessoas tanto buscam atualmente que é o turismo de experiência. Uma oportunidade de se empreender onde vive, preservando e dando a oportunidade de outras pessoas viverem essa experiência também”.
A analista acredita que, a longo prazo, as artesãs de taboa de Boa Vista vão poder viver não só da agricultura familiar, mas também do artesanato e do turismo.
“O Sebrae e Prefeitura de Aracruz estão dando todo apoio para que essas artesãs possam se capacitar, se empodeirar da sua arte e que a associação esteja fortalecida para trazer ainda mais dignidade e reconhecimento para o trabalho tão bonito que realizam”, finalizou.
Taboa, planta aquática usada como colchão por famílias ribeirinhas se transforma em artigos de decoração por empreendedoras de Aracruz, espírito santo
Arquivo Pessoal
VÍDEOS: tudo sobre o Espírito Santo
Veja o plantão de últimas notícias do g1 Espírito Santo