Proporção de homicídios com armas de fogo é de 44,7 por 100 mil habitantes entre homens pretos e pardos, enquanto número fica em 14,7 para o restante do público masculino, mostra Instituto Sou da Paz Marcha da Consciência Negra em SP
EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
A taxa de homicídios por arma de fogo entre homens negros é três vezes maior do que a do restante das vítimas masculinas no Brasil, segundo pesquisa realizada com dados de 2022 pelo Instituto Sou da Paz, divulgada nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra.
O levantamento foi realizado a partir de dados do Ministério da Saúde.
Enquanto para homens negros, a taxa de homicídios por arma de fogo é de 44,7 por 100 mil, entre o restante da população masculina a taxa observada é de 14,7.
Segundo Cristina Neme, coordenadora da pesquisa, essa é uma realidade que se sustenta ao longo do tempo no país e que merece atenção dos governantes.
A resposta adotada até aqui não é suficiente para reverter o quadro.
Ainda sobre o perfil racial dos homicídios registrados nas cidades brasileiras, a pesquisa destaca que 79% das vítimas são homens pretos ou pardos. Metade dos casos de assassinato ocorre nas vias públicas, enquanto outros 11,2% acontecem no interior de residências.
Quanto à faixa etária, os crimes continuam a se concentrar entre os jovens:
Vítimas de 20 a 29 anos representaram 43% dos homicídios por arma de fogo em 2022.
Outros 40% acontecem entre 30 e 59 anos.
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Maioria dos casos no Nordeste
➡️ A região Nordeste concentrou em 2022 a maior proporção de crimes dessa natureza, com 48% do total, e apresenta a maior taxa de homicídios por arma de fogo, com 57,9 mortes por 100 mil homens.
“Esses números indicam que quase metade dos homicídios de homens notificados no país que envolvem o uso de arma de fogo ocorre nesta região. Assim como, em termos relativos, a sua população sofre a maior incidência de homicídios por arma de fogo em comparação com as outras regiões, o que a coloca em uma posição crítica em termos de violência letal”, ressalta o relatório.
➡️ A região Norte responde, segundo a análise do instituto, por 13% dos homicídios registrados no país, mas apresenta a segunda maior taxa de homicídios masculinos, com 48,9 mortes por cem mil homens.
➡️ O Centro-Oeste brasileiro representa a menor proporção de casos, 7%, e a terceira taxa de homicídios por arma de fogo (26,6).
➡️ O Sudeste é responsável por 21% dos homicídios masculinos, mas tem menor taxa entre as regiões, com 16,2 por 100 mil homens.
➡️ Já na região Sul foram registrados 11% dos homicídios e taxa de 23,1 por cem mil homens.
O Brasil observa uma tendência de redução de homicídios desde 2018. Entre 2022 e 2023, esses crimes caíram 3,4%, chegando ao patamar de 46 mil registros, segundo dados divulgados em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mesmo com a redução observada nos últimos anos, o perfil das vítimas segue similar, com prevalência de homicídios de pessoas negras.
Taxa de homicídios masculinos por arma de fogo em 2022, de acordo com a região:
Nordeste: 57,9
Norte: 48,9
Centro-Oeste: 26,6
Sul: 23,1
Sudeste: 16,2
“A população negra é a mais vulnerável a ser vitimada pela violência homicida, principalmente aquela desencadeada por armas de fogo. É uma dinâmica das áreas periféricas que se constituíram nas cidades brasileiras ao longo das últimas décadas”, afirma Neme.
Os fatores estruturais ligados a essa incidência têm a ver com dificuldades históricas ligadas à herança escravocrata, de acesso a serviços públicos de educação, saúde e moradia, que afetam, por exemplo, renda e empregabilidade.
Agressões não letais afetam mais de 5 mil anualmente
A pesquisa do Sou da Paz também traz dados relativos a agressões armadas não letais, conforme registros do Ministério da Saúde. Segundo o Instituto, no caso da população masculina, é obrigatória a notificação dos casos em que as vítimas são crianças, adolescentes e idosos, ou quando pertencem a grupos específicos de vulnerabilidade, independentemente da idade.
O relatório detalhou que, no período de 2012 a 2023, o número total de notificações de violência armada não letal contra homens no Brasil “apresentou variações notáveis, com destaque para o aumento de 42% entre 2012 e 2017, em tendência convergente com a de homicídios”.
“Em seguida, uma trajetória de queda se estende até 2021, quando foi registrado o menor valor da série. A expressiva redução nos anos de 2020 e 2021 também é efeito da pandemia de Covid-19, que provocou mudanças no funcionamento das instituições, na mobilidade da população e, consequentemente, na notificação de crimes e incidentes violentos”, acrescenta.
A retomada das notificações a partir de 2021 coincide, segundo a explicação do Sou da Paz, com o fim das restrições mais severas da pandemia e, nos anos subsequentes, “os registros aumentaram expressivamente e, em 2023, superaram até mesmo o pico registrado em 2017”.
“Os dados de violência armada não letal contra homens reiteram a persistência da desigualdade racial, visto que homens negros são a maioria das vítimas em quatro das cinco regiões do país.”
Ainda de acordo com o relatório, no Norte e Nordeste, “representam mais de 80% das vítimas, enquanto na região Sul, os não negros são 65%. Em termos relativos, porém, todas as regiões apresentam taxas de notificação de violência armada não letal superiores para os homens negros.”
Notificações de violência armada não letal contra homens, de 2012 a 2023:
2012: 3829
2013: 4484
2014: 4282
2015: 5184
2016: 4649
2017: 5431
2018: 4573
2019: 4088
2020: 3670
2021: 3487
2022: 4702
2023: 5721
Da prevenção social à melhora na investigação da polícia
As medidas necessárias para combater a realidade de violência passam pelo fortalecimento da investigação policial, pontua o Sou da Paz. Na semana passada, o instituto mostrou que mais de 60% dos homicídios não são esclarecidos no país.
O fortalecimento do controle de armas, acrescenta, se impõe como medida para conter o poder das organizações criminosas.
“Aprimorar as normas e os mecanismos de controle é requisito para controlar a circulação de armas de fogo, tanto legais quanto ilegais, na sociedade brasileira”, afirma.
Em outra frente, políticas de prevenção social e investimento na juventude são essenciais. “Como se viu, homens negros, especialmente os jovens, são desproporcionalmente impactados pela violência letal, o que reforça a necessidade urgente de ações que enfrentem o racismo estrutural presente nessas dinâmicas. Essas estratégias devem combinar segurança pública com políticas sociais, buscando não apenas conter a violência, mas também combater suas causas raciais e estruturais”, destaca.
As desigualdades raciais que expõem os jovens negros à violência armada só poderão ser combatidas, diz o Sou da Paz, por meio de políticas que garantam acesso à educação de qualidade, ao mercado de trabalho, condições dignas de moradia e espaços seguros para convivência e lazer.
O relatório cita também o que chama de “violência institucional que marca as intervenções policiais nas áreas periféricas”, o que contribui para a alta vitimização por arma de fogo.
“As políticas de segurança para enfrentar a criminalidade não podem produzir a vitimização das populações periféricas, como acontece recorrentemente nas diversas regiões do país.”
Neste mês, chamou atenção a morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, em Santos. A criança foi atingida durante uma ação policial no Morro São Bento. A mãe dele, Beatriz da Silva Rosa, disse que o menino estava brincando com outras crianças em frente à casa de uma prima quando foi atingido na barriga. Ele foi levado até a Santa Casa de Santos, mas não resistiu.
Outros dois adolescentes que supostamente trocavam tiros com os agentes foram atingidos; um deles também morreu. O caso está sob investigação da Polícia Civil. A conduta da PM foi criticada por entidades.
“A reversão desse quadro depende de um equilíbrio entre ações repressivas legítimas contra o crime organizado e investimentos em medidas sociais de longo prazo, que promovam a inclusão e combatam as diferenças que alimentam a violência armada no país, com atenção especial às desigualdades raciais”, afirma o relatório do Sou da Paz sobre o cenário brasileiro.