Após reintegração de posse e projeto para horta comunitária, gestão Ricardo Nunes informou que local está em processo de transferência para a Cohab-SP e vai virar moradia popular. Terreno público milionário que abriga circo no Jd. Anália Franco é alvo de controvérsia na Prefeitura de SP;
Um terreno público milionário, de mais de 19 mil metros quadrados e ocupado atualmente por um circo, está no centro de uma disputa entre a Prefeitura de São Paulo e os moradores do entorno. Localizado no Jardim Anália Franco, na Zona Leste, ele fica em frente ao shopping que leva o nome do bairro.
De um lado, a comunidade quer que o local se transforme em um hospital público com maternidade que atenda a região da Subprefeitura de Aricanduva/Vila Formosa e Carrão, que não tem nenhum equipamento de saúde desse porte;
De outro, está a prefeitura, que informou ter destinado a área a um conjunto habitacional para famílias de baixa renda.
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O espaço na Avenida Abel Ferreira tem um dos metros quadrados mais valorizados do bairro, onde o preço chega a R$ 12 mil. Baseado nisso, os especialistas avaliam que o terreno tenha um valor de mercado de R$ 60 milhões a R$ 100 milhões, segundo imobiliárias.
Um estudo feito por um engenheiro da prefeitura a que o g1 teve acesso afirmou que o melhor destino para o espaço seria um equipamento na área de saúde, visto que a região é carente de leitos públicos e não conta com nenhum hospital municipal à disposição.
Terreno público da prefeitura de SP no Jardim Anália Franco, Zona Leste de São Paulo.
Reprodução/TV Globo
Segundo o documento, faltam equipamentos hospitalares de urgência e emergência na região, especialmente para combater a mortalidade infantil e de mulheres.
“A necessidade em construir um hospital na jurisdição da Subprefeitura Aricanduva/Formosa/Carrão se faz para a redução das desigualdades no acesso a serviços de saúde, levando em consideração que no território não há qualquer equipamento público para cirurgias ou internações de urgência e emergência”, diz trecho do documento.
Segundo o estudo, “a redução da mortalidade na região, o espaço livre próximo aos equipamentos de saúde da rede particular e a proximidade com a futura estação de metrô, justificam a implantação do Hospital Municipal e Maternidade Anália Franco. É necessário um projeto de lei para a construção do equipamento”.
Como justificativa, o engenheiro da prefeitura aponta que o distrito de Vila Formosa está em 20º entre os que mais têm mortes maternas por complicações nos nascimentos de crianças vivas, considerando-se os 96 distritos do município. Já o distrito de Aricanduva ocupa a 21ª posição.
Vila Formosa e Aricanduva também ocupam as posições 17º e 23º entre os distritos em que mais ocorrem óbitos de crianças menores de um ano, entre os 96 Distritos do Município de São Paulo.
Terreno público da Prefeitura de SP na Avenida Abel Ferreira, no Jardim Anália Franco, Zona Leste de São Paulo.
Rodrigo Rodrigues/g1
Apoio da Câmara Municipal
A abertura de um hospital na área foi um pedido do movimento Salve Periférico, que procurou as autoridades paulistas para tentar levar a demanda da comunidade.
A ideia foi encampada pelo ex-presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, que enviou ofício para a Secretaria da Saúde, pedindo uma análise do pedido da comunidade, com um estudo de viabilidade para construção do Hospital e Maternidade Anália Franco.
Em resposta, a Coordenadoria de Assistência Hospitalar informou que na Zona Leste estão previstos apenas incrementos nos Hospitais Municipais Dr. Benedito Montenegro (Jardim Iva) e Dr. Alexandre Zaio (Vila Inhocuné), de um total de 400 leitos de internação.
Os dois hospitais, contudo, não fazem parte da jurisdição da Subprefeitura Aricanduva/Formosa/Carrão.
O ex-presidente da Câmara Municipal de SP, vereador Milton Leite (União Brasil), que abraçou a ideia do hospital no terreno.
Afonso Braga/Rede Câmara
O subprefeito de região – Rafael Dirvan Martinez Meira – indicado pela vereadora Rute Costa (PL) – elaborou um projeto para que uma horta comunitária fosse feita no terreno, administrada pela iniciativa privada.
Rafael chegou a abrir um processo de concorrência pública no ano passado para transformar o espaço em horta, mas apenas uma empresa se interessou pelo projeto, e a licitação foi frustrada.
Agora, a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab) afirma que o terreno está ocioso e abriu processo público para a área ser registrada em cartório como sendo da empresa, com a intenção de construir um conjunto habitacional para famílias de baixa renda.
O que diz a Prefeitura de SP
Por meio de nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) informou que o terreno mencionado está em processo de transferência de propriedade para a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP).
No local, diz, deverão ser desenvolvidos projetos habitacionais voltados para a população de baixa renda.
“Classificada como Zona Especial de Interesse Social tipo 2 (ZEIS 2), a região é destinada à construção de habitações de interesse social, incluindo infraestrutura e equipamentos públicos. Estão previstas 729 unidades habitacionais, além de praças e hortas comunitárias”, disse a gestão.
Os documentos da Cohab, entretanto, afirmam que apenas 429 unidades habitacionais serão erguidas no local, segundo a Gerência de Controle de Contratos da COHAB.
Já a Subprefeitura Aricanduva/Formosa/Carrão informa que a proposta de implantação de uma horta urbana no local foi suspensa por falta de cumprimento de prazo pela entidade parceira.
“Desde 2022, o terreno teve cessões temporárias para circos. O último estabelecimento tinha como prazo para uso temporário dezembro de 2024. Como o terreno vai receber o projeto habitacional, o uso não foi prorrogado e o circo será notificado para deixar a área”, afirmou.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, ao lado de Rafael Meira, subprefeito de Aricanduva, Vila Formosa e Carrão.
Reprodução/Instagram
Reação da comunidade
O presidente do Movimento Salve Periférico, Luis Tadeu Eugênio, diz que não vai se opor a uma possível construção de conjunto habitacional popular na área, mas lamenta que a comunidade não esteja sendo ouvida no processo.
“A gente não acha ruim construir casas populares. Mas o pedido do hospital foi feito por mais de 400 pessoas que assinaram abaixo-assinado e fizeram reuniões com a gente, pedindo mais atenção para a saúde da região de Aricanduva. O prefeito disse no início do mandato que tem responsabilidade e vai trabalhar pela periferia, mas, na prática, as subprefeituras precisam ouvir mais a comunidade e o que a gente tem a dizer”, comentou.
“Um hospital com maternidade é um pedido antigo das lideranças da área e, agora que o metrô vai chegar a menos de 100 metros do terreno em 2026, seria uma mão na roda para todos os moradores da Zona Leste”, disse Luis Tadeu.
Como o vereador Milton Leite (União Brasil) deixou a presidência da Câmara, o representante do Salve Periférico disse que vai procurar os três parlamentares considerados “herdeiros da família Leite” na Câmara para pressionar o prefeito a olhar com mais cuidado o destino do terreno.
“A pastora Sandra Alves, o Silvão Leite e o Silvinho são grandes parceiros do Salva Periférico e tenho certeza que vão nos ajudar a articular uma audiência pública e uma conversa com o prefeito para olhar a demanda da população com mais atenção. Um hospital com maternidade num território com tantas mortes de crianças e mães precisa ser olhado com mais atenção. Certeza que o prefeito nem imagina que existe essa possibilidade. Muitas coisas não chegam a ele e é nosso papel levar as demandas reais da periferia para o gabinete dele”, avisou.
Invasão e circo
Circo que ocupa terreno público da Prefeitura de SP na Avenida Abel Ferreira, no Jardim Anália Franco, Zona Leste de São Paulo.
Rodrigo Rodrigues/g1
O terreno da Avenida Abel Ferreira foi alvo de um processo de reintegração de posse durante anos, que terminou no final de 2020. Porém, durante vários meses após a decisão da Justiça, a área ficou abandonada pela Subprefeitura de Aricanduva, obrigando a Procuradoria Geral do Município (PGM) a advertir que um destino público fosse dado ao local, em 2022.
A Procuradoria também alertou o subprefeito que era obrigação do órgão zelar e cuidar do espaço, para que novas invasões não acontecessem.
Foi então que o subprefeito decidiu criar uma horta comunitária no espaço. Antes, contudo, passou a conceder o terreno ao Circo Internacional de Moscou, que desde 2022 ocupa a área e renova a concessão a cada 90 dias.
O circo não paga pelo uso do espaço. A contrapartida pública é disponibilizar 10% dos ingressos para escolas públicas e comunidades de baixa renda da região, além dos cuidados com o terreno.
A entidade que comandaria a horta desejada pelo subprefeito era a Associação de Resgate à Cidadania por Amor à Humanidade (Arcah), por 60 meses.
Porém, os documentos internos da pasta afirmam que a entidade desistiu em razão da demora da subprefeitura em liberar o terreno para a horta.