Se a segunda instância acatar a apelação do Ministério Público, as penas podem incluir perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por até 12 anos e pagamento de multa. O ex-prefeito Milton Carlos de Mello ‘Tupã’, o ex-secretário Alfredo José Penha e o empresário Gervásio Costa
Reprodução/Facebook e Prefeitura de Presidente Prudente
Nesta quinta-feira (26), a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) marcou para o dia 8 de outubro o julgamento de uma apelação interposta pelo Ministério Público contra a sentença de primeira instância da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Presidente Prudente (SP) que, em maio do ano passado, julgou improcedente uma ação civil de improbidade administrativa ajuizada em face do ex-prefeito Milton Carlos de Mello “Tupã” (Republicanos), do ex-secretário municipal de Obras e Serviços Públicos Alfredo José Penha, do empresário Gervásio Costa e da empresa CMV Administração e Locação Ltda..
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O g1 ouviu os advogados de defesa dos réus e todos eles manifestaram-se favoráveis à manutenção da sentença recorrida (veja os posicionamentos oficiais no fim desta reportagem).
Em caso de condenação, como pretende o Ministério Público, as penas podem chegar à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por até 12 anos e ao pagamento de multa.
Tupã governou Presidente Prudente entre 2009 e 2016 e, nas Eleições 2024, é novamente candidato a prefeito.
Segundo a acusação formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), os então prefeito e secretário realizaram a abertura de vias públicas na região do Jardim Santana em benefício do “amigo” empresário, entre os anos de 2011 e 2013.
Ainda de acordo com o Ministério Público, as obras de pavimentação, “realizadas com desvio de finalidade”, custaram aos cofres públicos municipais a quantia total de R$ 268.578,82.
A acusação sustentada pelo MPE-SP é a de que, “sob falso pretexto de melhorar o sistema viário do bairro Jardim Santana”, os prefeito e secretário à época realizaram a desapropriação de imóvel (posteriormente doado) e a abertura e a pavimentação de vias, porém, “com o real intuito de beneficiar seu amigo Gervásio Costa, proprietário da área e sócio administrador da empresa CMV Administração e Locação Ltda.”.
“A pavimentação das vias não foi feita de forma eficiente, mas conduzida de modo a garantir a Gervásio Costa ao menos dois benefícios: (i) escusar-se de cumprir a Lei Federal nº 6.766/79, no que tange à implantação de loteamento aberto, em especial quanto à abertura de vias públicas; (ii) valorização da área, com incremento de atividades econômicas, considerando que a abertura das vias melhorou o acesso e o trânsito à área total, em especial no que tange ao acesso aos barracões e galpões”, relatou o procurador de Justiça Gilberto Nonaka em seu parecer entregue à 11ª Câmara de Direito Público do TJ-SP sobre o caso.
No julgamento de primeira instância, com base na nova lei 14.230/21, que alterou a chamada Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, a lei 8.429/92, a sentença da Vara da Fazenda Pública de Presidente Prudente julgou improcedente a acusação feita pelo MPE-SP contra Milton Carlos de Mello “Tupã”, Alfredo José Penha, Gervásio Costa e a CMV.
No entanto, o Ministério Público interpôs no TJ-SP o recurso de apelação, que será julgado no dia 8 de outubro, sustentando que:
as obras foram realizadas com “dolo de beneficiamento”;
a posição das vias pavimentadas projetadas, posicionadas justamente em frente aos barracões da empresa CMV, faz com que de plano se perceba que o objetivo não era ligar as ruas do bairro com a Rodovia Raposo Tavares (SP-270), mas, sim, asfaltar as vias de acesso aos barracões da CMV, que pertencia a Gervásio;
Gervásio e a CMV já possuíam o imóvel antes mesmo da declaração de utilidade pública de partes da área, de modo que o procedimento necessário para a pavimentação no local só teve andamento porque eram possuidores do local;
a presença de desnível era fato certo e conhecido antes da execução de qualquer obra e orçamento. Era fato conhecido antes da assinatura do contrato de pavimentação entre a Prefeitura e a Companhia Prudentina de Desenvolvimento (Prudenco). Era fato conhecido antes do início da obra, tanto que todo o trajeto não foi orçado nem contratado;
a discricionariedade não serve para justificar o uso de recursos públicos para “beneficiar indevidamente amigos e apaniguados”;
em uma pequena área, de propriedade exclusiva do empresário, só por ele explorada, cuja exploração se tornou mais fácil e mais rentável após a ação da Prefeitura, gastou-se quase 50% de toda a verba empregada pelo Poder Executivo em melhorias do sistema viário de uma macrorregião; e
bastava que fosse pavimentada uma rua para que o interesse da população fosse atendido, no entanto, o que fizeram o prefeito e o secretário à época foi determinar a pavimentação de vias que acessariam os barracões da CMV e de Gervásio.
Embora a ação de improbidade administrativa tenha sido julgada improcedente, os mesmos fatos também motivaram uma ação penal que, em primeira instância, resultaram na condenação do ex-prefeito, do ex-secretário e do empresário por crime de responsabilidade, em fevereiro do ano passado, em sentença da 3ª Vara Criminal de Presidente Prudente. Contra a referida decisão os três réus interpuseram no TJ-SP recursos de apelação, ainda pendentes de julgamento, na segunda instância, pela 16ª Câmara de Direito Criminal.
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Caracterização do dolo
“Desde o início, o Ministério Público imputou aos réus a prática de ato doloso de improbidade administrativa. Segundo se apurou, os agentes públicos Milton e Alfredo conduziram a execução de obras públicas com o intuito de beneficiar Gervásio, de modo que a abertura de vias, com respectiva pavimentação, fosse executada às custas do patrimônio público municipal e de modo a garantir acesso facilitado e privilegiado, de pessoas e veículos, às áreas que Gervásio poderia explorar economicamente”, argumenta, no parecer encaminhado ao TJ-SP, o procurador de Justiça Gilberto Nonaka.
Ele ainda cita entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo o qual “o fato de as obras, conduzidas com desvio de finalidade, terem beneficiado, de algum modo, a população local não afasta o caráter ímprobo da conduta”.
“Vale ressaltar que a relação de amizade mantida entre os agentes públicos envolvidos e o proprietário de área a ser desapropriada e beneficiada com obras públicas caracteriza conflito de interesses, o qual deveria ter sido explicitamente declarado nos autos, em nome dos princípios da moralidade e da transparência”, salienta o representante do MPE-SP.
“Portanto, o conflito de interesses, não expressamente declinado, é importante elemento que explicita a má-fé dos agentes públicos, e demonstra o quanto se desviaram dos padrões éticos esperados no trato com a coisa pública, de modo a qualificar o ilícito como ímprobo”, pontua.
Segundo o procurador de Justiça, “os elementos probatórios colhidos indicam que o projeto de vias não foi elaborado por servidores públicos com expertise técnica, com fundamentação adequada a respeito das soluções adotadas. Ao revés, o projeto ‘chegou pronto’, antes mesmo da formal abertura de processo administrativo”.
Ele ainda enfatiza que “a abertura de vias sem conexão direta entre os bairros e a execução parcial de diversos trechos não beneficiaram o interesse público, mas apenas os interesses particulares e econômicos do amigo Gervásio”.
“O prejuízo se caracteriza pela utilização de recursos públicos (verbas, serviços e obras) para pavimentação de trechos completamente desnecessários à satisfação do interesse público, porém inerentes à satisfação dos interesses pessoais de terceiro particular, amigo dos agentes públicos”, ressalta Nonaka.
“É claro que a projeção de vias sem ligação de bairros, bem como a pavimentação apenas de uma delas, com obras realizadas com utilização exclusiva de recursos públicos (verbas, obras e serviços) não se destinou à melhoria da ordem urbanística, mas sim ao enriquecimento sem causa de terceiro, amigo dos agentes públicos responsáveis pela execução das obras”, afirma o procurador de Justiça.
“A realização de obras inúteis ao interesse coletivo representa diminuição patrimonial da administração pública, que gastou recursos importantes apenas para satisfazer interesse pessoal e econômico de amigo dos agentes públicos”, diz.
Por entender que “não há que se falar em prescrição”, o parecer do procurador de Justiça é contrário ao provimento do recurso adesivo apresentado pelo réu Alfredo Penha e que também será julgado no dia 8 de outubro pelo TJ-SP junto à apelação do MPE-SP. A defesa do ex-secretário argumentou que as sanções específicas da Lei de Improbidade Administrativa estariam prescritas, pois a ação teria sido proposta mais de cinco anos após a extinção do vínculo com a administração pública.
O procurador de Justiça conclui o parecer opinando a favor da reforma integral da sentença de primeiro grau, de modo a condenar os réus às penas do artigo 12, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa, pelo reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa doloso, que causou prejuízo concreto aos cofres públicos municipais e promoveu enriquecimento ilícito de terceiro, nos termos do artigo 10, caput e inciso II, da mesma legislação.
As penas previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, em caso de a Justiça acatar a condenação proposta pelo MPE-SP, são as seguintes:
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos por até 12 anos,
pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e
proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos.
Outro lado
A reportagem do g1 procurou os advogados de defesa de todos os réus envolvidos e solicitou-lhes posicionamentos oficiais sobre o caso.
O advogado Alfredo Vasques da Graça Júnior, que responde pelo ex-prefeito Milton Carlos de Mello “Tupã”, lembrou que a ação movida pelo MPE-SP foi julgada improcedente em primeira instância e destacou que as obras no Jardim Santana foram realizadas “com claro interesse público”.
“Essa ação foi julgada inteiramente improcedente pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública. Houve ampla instrução probatória no processo, inclusive ouvindo os moradores daquela localidade, que confirmaram que a obra viária beneficiou toda aquela região, que era antiga reinvindicação dos moradores, que eram obrigados a conviver com caminhões pesados circulando naquela região, inclusive em volta de escola municipal”, afirmou.
“Demonstrou-se que não houve qualquer ato ilícito naquela obra, tratando-se de obra necessária e com claro interesse público em sua realização, razão pela qual temos convicção que a sentença será mantida”, concluiu Graça Júnior ao g1.
O advogado Jailton João Santiago, que atua na defesa do ex-secretário Alfredo José Penha, afirmou ao g1 que a sentença da Vara da Fazenda Pública “foi muito fundamentada” e não merece reforma.
“Trata-se de julgamento de recurso interposto pelo ilustre representante do Ministério Público que se insurgiu com a veneranda sentença de primeiro grau do juiz ‘a quo’ [recorrido], que prolatou acertadamente, de acordo com as provas coligidas para o bojo do processo, sendo certo que juiz sentenciou inequivocamente e acertadamente pela improcedência (absolvição) de todos os requeridos, assim, irresignado o douto promotor recorreu, fizemos as contrarrazões do recurso do Dr. Alfredo Penha, e os demais requeridos por seus respectivos advogados”, disse Santiago.
“A meu sentir, o recurso do MP deve ser improvido em relação ao Dr. Alfredo Penha e demais requeridos, posto que a sentença prolatada foi muito fundamentada, não merecendo reforma, e ainda, em diligência do Juízo, a obra foi muito importante para população daquele bairro, e ressaltando que várias outras obras de interligações de outros bairros foram e são muito importantes para o povo. Logo, a sentença que será levada a julgamento no próximo dia 8 de outubro quedar-se-á por terra, mantendo-se a respeitável sentença que houve por bem absolver todos requeridos!”, finalizou o advogado.
O advogado André Shigueaki Teruya, que responde pelo empresário Gervásio Costa e pela empresa CMV Administração e Locação Ltda., afirmou que a defesa tem convicção da manutenção da sentença de primeira instância no julgamento do TJ-SP.
“A Ação Civil Pública nº 1011014-12.2019.8.26.0482 oriunda da Vara da Fazenda Pública desta Comarca de Presidente Prudente foi julgada improcedente, destacando a ausência de dolo por parte do Sr. Gervásio Costa e da empresa CMV sobre os fatos ali narrados, inclusive salientando a inexistência de atos de improbidade, enriquecimento ilícito, ou indícios de favorecimento pessoal”, disse Teruya.
“Sendo assim, temos a convicção da manutenção da referida sentença no recurso que foi apresentado pelo MP e que será julgado no dia 08/10/2024”, complementou o advogado ao g1.
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