Tarifaço foi suspenso às vésperas de ser implementado, no início de fevereiro, após um acordo de último hora entre EUA, Canadá e México. Passado o prazo de um mês negociado na ocasião, Trump diz que tarifas estão prontas para ser implementado. Europeus reagem a ataque de Trump e anúncio de tarifas de 25%
Esgotado o prazo de um mês negociado em um acordo de última hora em fevereiro, as tarifas prometidas pelo presidente Donald Trump sobre produtos adquiridos pelos Estados Unidos do Canadá e do México devem entrar em vigor na terça-feira (4/3).
Trump anunciou a decisão de taxar em 25% os importados canadenses e mexicanos logo depois de tomar posse. O tarifaço foi uma de suas promessas de campanha e os dois vizinhos, ao lado da China, estariam entre os primeiros afetados pelas medidas.
No início de fevereiro, entretanto, horas antes de as alíquotas entrarem em vigor, após manifestação dos líderes de México e Canadá — que prometiam retaliação —, os EUA fecharam um acordo com os dois países, deixando a guerra comercial em suspenso por um mês.
Agora, com o prazo praticamente esgotado, Trump disse em coletiva de imprensa na segunda-feira (3/3) que desta vez não havia chance de uma nova negociação e reiterou que as tarifas estavam prontas para serem implementadas.
Horas depois do pronunciamento, os principais índices de ações das bolsas de valores americanas tiveram forte queda. O S&P 500 recuou 1,75% e o Nasdaq encolheu 2,6%.
Consumidores e empresas dos três países estão apreensivos à espera dos próximos acontecimentos.
A região tem economias e cadeias de suprimentos profundamente integradas, com cerca de US$ 2 bilhões (R$ 11,8 bilhões) em produtos manufaturados cruzando as fronteiras diariamente.
Trump argumenta que quer proteger a indústria americana, mas muitos economistas alertam que as tarifas podem levar a um aumento de preços para os consumidores americanos.
➡️ Esse processo pode se dar especialmente de duas formas: como o imposto é pago pela empresa que importa os produtos, ela pode optar por repassar o custo diretamente aos clientes ou reduzir as importações, restringindo a oferta do item que vem de fora no mercado americano.
Em ambos os cenários, a tendência é de alta dos preços. A indústria americana poderia buscar compensar a redução da oferta de determinados produtos, mas em alguns casos ela não fabrica o que hoje vem de fora ou produz em volume inferior à demanda.
Nesse sentido, o que pode ficar mais caro para os americanos se as tarifas de Trump forem de fato adiante?
O que vai ficar mais caro nos Estados Unidos
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Carros
Carros provavalemente teriam um aumento de preço de cerca de US$ 3 mil (R$ 17,7 mil), de acordo com a consultoria canadense TD Economics.
As peças dos veículos atravessam as fronteiras dos EUA, do Canadá e do México diversas vezes até o carro ser montado.
Com mais taxas de importação sobre as peças, é provável que os custos sejam repassados para os consumidores.
“Basta dizer que interromper o livre comércio na cadeira de produção é algo que viria com custos significativos”, diz o economista Andrew Foran, da TD Economics.
Ele acrescenta que “o livre comércio ininterrupto” no setor automotivo “existe há décadas”, o que levou a preços mais baixos para os consumidores.
Bebidas alcóolicas vão ficar mais caras
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Cerveja, uísque e tequila
As marcas de cerveja mexicanas Modelo e Corona, muito populares nos EUA, podem ficar mais caras para os americanos se as importadoras repassarem o novo custo gerado pelas tarifas.
Também é possível que, em vez de repassar o aumento, as empresas simplesmente importem menos.
A Modelo se tornou a marca de cerveja número um nos EUA em 2023 e continua no topo até o momento.
O setor de destilados está praticamente livre de impostos de importação desde a década de 1990.
Entidades da indústria dos EUA, Canadá e México emitiram uma declaração conjunta antes do anúncio das tarifas dizendo que estavam “profundamente preocupados”.
Eles dizem que certas bebidas, como o bourbon (um tipo de uísque americano de grãos maltados), o uísque do Tennessee, a tequila e o uísque canadense têm a origem protegida, ou seja, somente produtores em certas regiões podem dar esses nomes para as bebidas.
“São bebidas reconhecidas como produtos distintos e só podem ser produzidas em seus países designados”, afirmam as entidades.
Portanto, como a produção dessas bebidas não pode ser simplesmente transferida para outros locais, a oferta dos produtos pode ser impactada, levando a aumentos de preços.
Os órgãos comerciais também destacaram que muitas empresas possuem diferentes marcas de destilados em todos os três países.
O preço da moradia
Os EUA importam do Canadá cerca de um terço do que consume de madeira de coníferas, muito usada na construção civil.
O material essencial na construção seria afetado pelas tarifas de importação de Trump, que disse que os EUA têm “mais madeira do que usamos”.
No entanto, a Associação Nacional de Construtores de Moradias (NAHB, na sigla em inglês) pediu ao presidente que isentasse os materiais de construção das tarifas propostas “por causa de seu efeito prejudicial na acessibilidade da moradia”.
O setor tem “sérias preocupações” de que o imposto sobre a madeira possa aumentar o custo da construção de casas — que são feitas principalmente de madeira nos EUA — e também desencorajar empreiteiras de construir novas casas.
“Os consumidores acabam pagando pelas tarifas na forma de preços mais altos de casas”, disse a NAHB.
Não é apenas a madeira do Canadá que pode ser afetada por mais impostos.
Agora há uma segunda ameaça iminente para a maioria das importações de madeira para os EUA, independentemente de seu país de origem.
No sábado (1/3), Trump ordenou uma pesquisa sobre se os EUA deveriam impor tarifas adicionais à maioria das importações de madeira processada e não-processada, independentemente do país de origem, ou se deveriam criar incentivos para impulsionar a produção doméstica. As conclusões devem ser divulgadas no final do ano.
O xarope de bordo é mais consumido do que o mel nos EUA
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Xarope de bordo (maple syrup)
Na guerra comercial com o Canadá o impacto doméstico “mais óbvio” seria no preço do xarope de bordo canadense, o maple syrup, de acordo com o economista Thomas Sampson, professor da faculdade London School of Economics, no Reino Unido.
O produto é feito a partir da seiva do bordo, uma árvore típica do Canadá, e nos EUA é mais usado do que o mel.
A indústria bilionária de xarope de bordo do Canadá responde por 75% de toda a produção mundial da iguaria.
A maior parte do produto — cerca de 90% — é produzida na província do Quebec, onde a única reserva estratégica mundial de xarope de bordo foi criada há 24 anos.
“O xarope de bordo vai ficar mais caro. E esse é um aumento direto de preço que as famílias enfrentarão”, diz Sampson.
“O preço de produtos fabricados internamente nos EUA, mas a partir de matéria-prima do Canadá, também vai subir”, completa.
Combustível
Os produtos relacionados à energia foram alvo de uma alíquota menor no tarifaço de Trump contra produtos canadenses: 10%, em vez dos 25% aplicados sobre os demais importados.
O Canadá é o maior exportador de petróleo bruto para os EUA. De acordo com os dados mais recentes da balança comercial americana, 61% do petróleo importado pelo país entre janeiro e novembro do ano passado veio do vizinho.
Os EUA não têm escassez de petróleo, mas parte da commodity produzida no país não é a que melhor se enquadra em algumas das refinarias americanas, que têm a estrutura adaptada ao chamado petróleo bruto “mais pesado” — ou seja, mais espesso — que vem principalmente do Canadá e parcialmente do México.
“Muitas refinarias precisam de petróleo bruto mais pesado para maximizar a flexibilidade da produção de gasolina, diesel e combustível de aviação”, explica a associação que representa os fabricantes de combustíveis, a American Fuel and Petrochemical Manufacturers.
Nesse cenário, os consumidores americanos poderiam pagar mais para abastecer tanto por conta da tarifa de 10% sobre as importações de petróleo canadense quanto por conta de um eventual quadro de redução das exportações por parte do Canadá em retaliação às medidas de Trump, que poderia reduzir a disponibilidade de combustível e empurrar os preços para cima.
O avocado, produzido no México, é usado para fazer guacamole
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Guacamole mais caro
Um produto importado que os consumidores americanos podem ver aumentar de preço significativamente é o avocado — o tipo de abacate usado para fazer guacamole.
Cultivado principalmente no México, onde a planta é bem adaptada ao clima quente e úmido, o avocado mexicano compõe quase 90% do que circula por ano no mercado americano.
O Departamento de Agricultura dos EUA já alertou que, caso as tarifas entrassem de fato em vigor, o custo do fruto — junto com pratos populares feitos com ele, como o guacamole — poderia subir.
E no Canadá?
Antes do acordo de última hora entre Trump e o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau para suspender as tarifas, o Canadá ameaçou retaliar os EUA com impostos de importação que somariam 155 bilhões de dólares canadenses (US$ 107 bilhões; cerca de R$ 625 bilhões).
Uma parcela inicial de 30 bilhões de dólares canadenses estava prevista para entrar em vigor no dia seguinte à implementação das tarifas — o que significa que os preços provavelmente aumentariam para os consumidores canadenses também.
O país divulgou uma lista detalhando os itens que seriam imediatamente alvos de tarifas correspondentes de 25% e que incluíam gêneros básicos, como laranjas — um produto que o Canadá não consegue cultivar em abundância devido ao seu clima mais frio.
Antes do primeiro anúncio de Trump, províncias como Ontário, Colúmbia Britânica, Manitoba, Nova Brunswick e Nova Escócia chegaram a anunciar que retirariam todas as bebidas americanas das prateleiras do comércio.
Qualquer bebida alcoólica dos EUA — incluindo cerveja e vinho — que os canadenses pudessem encontrar provavelmente veria um aumento de preço, pois está no rol de produtos incluídos nas tarifas retaliatórias.