14 de março de 2025

Trump pela culatra: como ameaças estão ajudando a turbinar popularidade de líderes de países ‘rivais’


Líderes de México, Canadá, Reino Unido, Ucrânia e França passaram a ter uma aprovação maior após serem alvos dos EUA. Especialistas analisam o efeito provocado por Trump. Dani: Ação de Trump desgasta direita; Planalto explora
N
Em menos de dois meses de governo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem adotado medidas que geram impacto direto na política global. Suas ameaças, tarifas e embates diplomáticos, muitas vezes voltados para fortalecer sua base interna, têm provocado um outro efeito: o aumento da popularidade de outros líderes estrangeiros.
▶️ Contexto: Donald Trump tem adotado uma postura agressiva em relação a aliados internacionais, impondo tarifas, ameaças comerciais e pressões diplomáticas.
Os vizinhos Canadá e México foram ameaçados com tarifas de 25% sobre todos os produtos importados para os Estados Unidos. A medida deve passar a valer em 2 de abril.
Trump também disse que pretende taxar produtos europeus em 25% e acusou a União Europeia de tirar vantagem dos americanos.
Com a Ucrânia, o presidente condicionou a manutenção do apoio americano na guerra à assinatura de um acordo que permitiria aos EUA explorar minérios ucranianos.
📈 Popularidade: Pesquisas de opinião indicam que as ameaças de Trump estão influenciando diretamente a aprovação dele. Os americanos temem que as tarifas aumentem o custo de vida nos EUA. Enquanto isso, a avaliação dos governos dos países alvos do presidente subiu.
No Canadá, o Partido Liberal de Justin Trudeau voltou a subir nas pesquisas e ultrapassou o Conservador. A legenda estava em baixa. O país deve ter eleições em breve.
No México, a aprovação da presidente Claudia Sheinbaum subiu 5 pontos percentuais em uma pesquisa divulgada no início de março, chegando a 80%.
Na Europa, as aprovações do presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, também aumentaram, segundo os levantamentos mais recentes.
Na Ucrânia, o apoio ao presidente Volodymyr Zelensky cresceu 10 pontos percentuais após o início do governo Trump. Os dois se desentenderam na Casa Branca no fim de fevereiro.
Diante das ameaças de Trump, alguns países observaram movimentos de unidade e valorização de produtos próprios, como no Canadá. Já na Europa, o continente tem discutido como ser menos dependente dos EUA em relação à segurança.
🔎 Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam ser muito cedo para falar em uma ruptura da hegemonia norte-americana e analisam o fenômeno do patriotismo crescente entre os países alvos de Trump.
“É uma espécie de efeito de mobilização patriótica ou efeito de solidariedade nacional, que é muito comum quando um país é ameaçado por outro país maior”, afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“Estamos diante de uma nova configuração da ordem global, na qual uma das principais características é a ruptura do grau de aliança e dependência estabelecido entre a Europa e os Estados Unidos”, diz Victor Del Vecchio, mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP).
Veja as análises completas ao longo do texto.
Nesta reportagem você vai ver:
Canadá e México: como as ameaças de Trump fortalecem governos vizinhos
União Europeia: qual o movimento feito por Macron e Starmer
Ucrânia: como pressões impulsionam Zelensky internamente
Trump: aprovação em queda e receio na economia
1. Canadá e México
Cafeterias canadenses mudam nome de café ‘Americano’ em meio a guerra comercial com os EUA
Black Creek Coffee
Nas últimas semanas, Canadá e México viram ameaças de tarifas indo e voltando. No fim de janeiro, Trump anunciou que iria taxar em 25% produtos canadenses e mexicanos importados. O objetivo seria pressionar os vizinhos a combater a imigração ilegal e o tráfico de drogas para os EUA.
Em fevereiro, Trump suspendeu as tarifas por um mês após um acordo com Sheinbaum e Trudeau.
No início deste mês, voltou a confirmar as taxas. Dias depois, voltou atrás e adiou a cobrança sobre produtos que se enquadram no “USMCA”, que é um acordo comercial entre EUA, México e Canadá.
📌 Efeitos das ameaças foram sentidos nos dois países:
No Canadá, pesquisas indicam que o Partido Liberal, de Trudeau, está no melhor momento para as próximas eleições. Antes, a legenda aparecia atrás dos conservadores, de oposição.
No comércio, lojas canadenses começaram a boicotar produtos dos EUA e iniciaram uma campanha de valorização de itens do próprio país.
Cafeterias também mudaram o nome do café “americano” para “canadiano”.
Já no México, a aprovação da presidente Sheinbaum passou de 75%, no início de janeiro, para 80% em meados de fevereiro, segundo um levantamento da Buendía & Marquéz.
No domingo (9), ela reuniu milhares de pessoas na Cidade do México em um “festival” pelo orgulho nacional.
“Não podemos abrir mão da nossa soberania, e o nosso povo não pode ser afetado por decisões tomadas por governos estrangeiros ou hegemonias”, disse a presidente à multidão.
🔎 Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, relatou que conversou com vários diplomatas estrangeiros, inclusive do Canadá, recentemente. Ele afirmou ter ficado supreso com o sentimento de raiva e reação dos canadenses.
“É uma espécie de efeito de mobilização patriótica ou efeito de solidariedade nacional, que é muito comum quando um país é ameaçado por um outro país maior.”
Ainda segundo o professor, esse movimento tem se refletido no fortalecimento do Partido Liberal, que está no poder e busca a reeleição.
“Como esse patriotismo é alimentado por um anti-americanismo, o anti-trumpismo costuma favorecer aqueles que Trump ataca. Ou seja, ele acaba fortalecendo partidos progressistas, partidos de esquerda, porque a direita canadense estava se aproximando ideologicamente de Trump”, diz.
🔎 Para Victor Del Vecchio, mestre em Direito Internacional pela USP, o posicionamento das lideranças de Canadá e México tem passado uma imagem de força dos governantes em defender o interesse nacional.
Apesar disso, segundo ele, ainda é cedo para dizer que existe um aumento do nacionalismo em países que foram alvos das medidas de Trump.
“Mesmo porque, muitos deles têm setores ultranacionalistas que, além de não estarem à frente do governo respondendo às tarifas, defendem bandeiras similares às de Trump”, analisa.
Voltar ao início.
2. União Europeia
Líderes de Europa, Canadá e Turquia se reuniram em Londres neste domingo para debater os próximos passos da guerra na Ucrânia
Reuters
Na quinta-feira (13), Trump afirmou que pode impor uma tarifa de 200% sobre vinhos e champanhes europeus, caso a União Europeia não retire a taxa de 50% sobre uísques americanos. Essa não foi a primeira ameaça do presidente ao bloco.
No fim de fevereiro, Trump disse que pretende taxar produtos importados da União Europeia em 25%. Ele justificou a medida afirmando que os europeus estariam “tirando vantagem” dos americanos nas trocas comerciais.
🌎 Nas últimas semanas, Trump recebeu na Casa Branca o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer. As tarifas foram discutidas em ambos os encontros.
Dias após a reunião, Macron afirmou que tinha poucas esperanças em relação às tarifas dos EUA e criticou a “abordagem comercial” proposta pelo governo Trump.
Já Starmer disse que “todas as opções estavam na mesa”, sugerindo uma possível retaliação.
Além das tarifas, Macron e Starmer organizaram encontros com outros líderes europeus para discutir a situação na Ucrânia. No radar estava a aproximação de Trump com Vladimir Putin e o risco de os EUA abandonarem o apoio aos ucranianos.
O movimento iniciado pela Casa Branca fez com que a Europa entrasse em uma espécie de “corrida armamentista” para reduzir a dependência dos EUA em questões de segurança. A União Europeia, que não inclui o Reino Unido, preparou um plano bilionário para reforçar sua defesa própria.
Diante desses acontecimentos, a aprovação de Macron subiu 7 pontos percentuais em um mês e chegou a 31%, segundo dados do instituto Ifop divulgados em 7 de março. O presidente conseguiu reverter uma tendência de queda, acentuada pela crise política francesa.
Já a avaliação positiva de Starmer cresceu 10 pontos percentuais, de acordo com o jornal The Guardian. O Partido Trabalhista, liderado por ele, passou a ser visto como o mais preparado para lidar com questões de defesa — algo tradicionalmente associado ao partido de oposição.
A imprensa dos dois países relacionou a melhora nas avaliações ao posicionamento adotado pelos líderes diante das movimentações de Trump e da postura dos EUA na guerra na Ucrânia.
🔎 Para Victor Del Vecchio, o mundo vive uma nova configuração da ordem global, na qual os Estados Unidos deixam de ser o único grande garantidor da paz para aliados como a Europa.
“Estamos diante de uma nova configuração da ordem global, na qual uma das principais características é a ruptura do grau de aliança e dependência estabelecido entre a Europa e os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra”, afirma.
“Ainda é cedo para cravar que estamos diante, também, da ruptura da hegemonia norte-americana, mesmo porque os efeitos a longo prazo das medidas econômicas e de geopolítica adotadas por Trump ainda são incertos.”
Voltar ao início.
3. Ucrânia
Trump e Zelensky batem boca na Casa Branca
Brian Snyder/Reuters
O apoio dos Estados Unidos à Ucrânia era visto como inabalável durante o governo de Joe Biden. No entanto, as relações entre os dois países começaram a estremecer com a chegada de Donald Trump à Casa Branca.
O presidente americano telefonou para Putin e chegou a elogiar o líder russo, afirmando que confiava nele. Enquanto isso, Trump acusou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de ser um ditador.
Além disso, os Estados Unidos passaram a condicionar a manutenção do apoio à Ucrânia à assinatura de um acordo para a exploração das terras raras ucranianas — uma área rica em minérios e recursos naturais.
O ápice da crise ocorreu em 28 de fevereiro, quando Trump e Zelensky bateram boca na frente de jornalistas na Casa Branca. Nos dias seguintes, os EUA suspenderam a ajuda militar à Ucrânia.
O distanciamento de Trump em relação à Ucrânia teve um impacto direto na popularidade de Zelensky.
Segundo uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, finalizada em 4 de março, a avaliação do presidente ucraniano atingiu o melhor índice em quase dois anos.
O levantamento aponta que a aprovação de Zelensky passou de 57% para 67%.
Outros duas pesquisas apontaram números semelhantes, de acordo com o jornal The New York Times.
🔎 O professor Oliver Stuenkel acreditaque esse fortalecimento de lideranças ao redor do mundo diante das ações de Trump não é uma regra.
Ele cita a Alemanha como exemplo, onde o impacto foi menos evidente. Nas eleições deste ano, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em segundo lugar.
“Elon Musk e J.D. Vance chegaram a fazer campanha para a AfD. Não ajudou, mas também não causou problemas”, aponta.
“Precisamos aguardar mais informações para entender como os cenários políticos em outros países vão se desenrolar em resposta à postura do governo americano. Em geral, os primeiros sinais sugerem que as interferências e ameaças de Trump não fortalecem partidos alinhados a ele em outros países.”
Voltar ao início.
Do bate-boca ao acordo de cessar-fogo: os altos e baixos da relação entre Ucrânia e o governo Trump
4. Aprovação de Trump
Trump durante evento na Casa Branca
Evelyn Hockstein/Reuters
Na contramão das lideranças da França, Reino Unido, México e Ucrânia, a aprovação de Trump está em queda, segundo a média de pesquisas calculada pelo estatístico americano Nate Silver.
📉 Na segunda-feira (10), o índice de aprovação de Trump ficou abaixo da desaprovação pela primeira vez desde o início de seu governo. Na quinta-feira, o levantamento indicava que 49% dos entrevistados desaprovavam o presidente, enquanto 47,3% o aprovavam.

Uma pesquisa divulgada pela Reuters na quarta-feira (12) apontou que 57% dos norte-americanos acreditam que Trump está sendo “muito errático” em suas ações para a economia dos Estados Unidos.
A inflação apareceu como a principal preocupação dos norte-americanos. Segundo a Reuters, seis em cada dez entrevistados disseram que essa deveria ser a prioridade do governo.
Além disso, 70% dos entrevistados afirmaram acreditar que as tarifas impostas a produtos importados de outros países tornam alimentos e outros itens mais caros para os americanos.
Apenas 32% aprovam as ações do presidente para reduzir o custo de vida.

Voltar ao início.
VÍDEOS: mais assistidos do g1

Mais Notícias