Revogar a cidadania por direito de nascença exigiria o apoio de 2/3 do Congresso e 3/4 dos Estados dos EUA. Donald Trump prometeu acabar com a cidadania automática para qualquer pessoa nascida nos EUA.
Getty Images via BBC
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que planeja acabar com a “cidadania por direito de nascença” — a cidadania americana automática concedida a qualquer pessoa nascida nos EUA.
Na segunda-feira, minutos após sua posse como presidente, ele assinou uma ordem executiva abordando a definição de cidadania por direito de nascença, embora os detalhes até agora não estejam claros.
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A cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição dos EUA, que afirma que “todas as pessoas nascidas” nos Estados Unidos “são cidadãos dos Estados Unidos”.
Embora Trump tenha prometido acabar com a prática, as tentativas enfrentariam obstáculos legais significativos. A entidade ativista American Civil Liberties Union e outros grupos processaram imediatamente o governo Trump por causa da ordem executiva.
O que é ‘cidadania por direito de nascença’?
A primeira frase da 14ª Emenda à Constituição dos EUA estabelece o princípio da “cidadania por direito de nascença”:
“Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que residem.”
Os críticos da imigração argumentam que a política é um “grande ímã para imigração ilegal”, e que encoraja mulheres grávidas sem documentos a cruzar a fronteira para dar à luz, um ato que tem sido pejorativamente chamado de “turismo de parto” ou “ter um bebê âncora”.
Como o direito começou?
A 14ª Emenda foi adotada em 1868, após o fim da Guerra Civil. A 13ª Emenda aboliu a escravidão em 1865. Já a 14ª resolveu a questão da cidadania de ex-escravos libertos nascidos nos Estados Unidos.
Decisões anteriores da Suprema Corte, como Dred Scott vs Sandford em 1857, decidiram que os afro-americanos nunca poderiam ser cidadãos dos EUA. A 14ª Emenda anulou isso.
Em 1898, a Suprema Corte dos EUA afirmou que a cidadania por direito de nascença se aplica aos filhos de imigrantes no caso de Wong Kim Ark vs Estados Unidos.
Wong, de 24 anos, era filho de imigrantes chineses que nasceu nos EUA, mas teve a entrada negada no país quando retornou de uma visita à China. Wong argumentou com sucesso que, por ter nascido nos EUA, o status de imigração de seus pais não afetou a aplicação da 14ª Emenda.
“Wong Kim Ark vs Estados Unidos afirmou que, independentemente da raça ou do status de imigração dos pais, todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos tinham direito a todos os direitos que a cidadania oferecia”, escreve Erika Lee, diretora do Immigration History Research Center da Universidade de Minnesota. “O tribunal não reexaminou essa questão desde então.”
Trump pode anular isso?
A maioria dos estudiosos de direito concorda que o presidente Trump não pode acabar com a cidadania por direito de nascença com uma ordem executiva.
“Ele está fazendo algo que vai incomodar muitas pessoas, mas, no final das contas, isso será decidido pelos tribunais”, disse Saikrishna Prakash, especialista constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade da Virgínia. “Isso não é algo que ele pode decidir sozinho.”
Prakash disse que, embora o presidente possa ordenar que funcionários de agências federais interpretem a cidadania de forma mais restrita — agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA, por exemplo — isso desencadearia contestações legais de qualquer pessoa cuja cidadania seja negada.
Isso poderia levar a uma longa batalha judicial que acabaria na Suprema Corte dos EUA.
Uma emenda constitucional poderia acabar com a cidadania por direito de nascença, mas isso exigiria uma votação de dois terços na Câmara dos Representantes e no Senado e a aprovação de três quartos dos Estados dos EUA.
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Quantas pessoas seriam impactadas?
De acordo com a Pew Research, cerca de 250 mil bebês nasceram de pais imigrantes não autorizados nos Estados Unidos em 2016, o que representa uma redução de 36% em relação ao pico de 2007. Em 2022, o último ano em que os dados estão disponíveis, há 1,2 milhão de cidadãos americanos nascidos de pais imigrantes não autorizados, descobriu a Pew.
Mas como essas crianças também têm filhos, o efeito cumulativo do fim da cidadania por direito de nascença aumentaria o número de imigrantes não autorizados no país para 4,7 milhões em 2050, afirma o think tank Migration Policy Institute.
Em uma entrevista para a rede NBC, Trump disse que achava que os filhos de imigrantes não autorizados deveriam ser deportados junto com seus pais — mesmo que tivessem nascido nos EUA.
“Não quero separar famílias”, disse Trump em dezembro passado. “Então, a única maneira de não separar a família é mantê-los juntos e mandá-los todos de volta.”
Quais países têm esse direito?
Mais de 30 países — incluindo Canadá, México, Malásia e Lesoto — praticam o “jus soli” automático, ou “direito do solo” sem restrições.
É o caso do Brasil, que pratica o “jus soli” na maioria dos casos, apesar de algumas exceções.
Outros países, como o Reino Unido e a Austrália, permitem uma versão modificada em que a cidadania é automaticamente concedida se um dos pais for cidadão ou residente permanente.