22 de setembro de 2024

‘Uma vida de sofrimento’, relembra mulher abusada por pai adotivo aos 10 anos e obrigada a viver com ele

Casos de abuso aumentaram 19% no Paraná no primeiro semestre de 2023, com 3.229 registros. Número é o maior desde 2019, segundo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Vítima relata abuso que sofreu na infância pelo próprio pai adotivo
Em uma relação familiar, onde se espera encontrar segurança e amor, Cleusa da Silva Batista, de 60 anos, encontrou – na própria casa – abusos e violências – .
A moradora de Curitiba foi abusada na infância pelo pai de criação e retirada do próprio lar para viver só com ele. Entenda mais abaixo.
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O caso da Cleusa repete uma realidade que, em 2023, se mostrou ainda mais comum em todo o Brasil. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que no primeiro semestre do ano passado, a cada 8 minutos, uma menina ou mulher foi estuprada no país.
Foram 34.428 casos em seis meses, um crescimento de 16,3% em relação ao mesmo período de 2022, quando houve 28.816 registros. No Paraná, o cenário é ainda pior: o número de estupros subiu 19,6% no primeiro semestre do ano passado em relação a 2022 (mais dados a seguir).
Adotada ainda bebê
Cleusa conta que os pais biológicos trabalhavam na agricultura em Guarapuava, na região central do Paraná. O pai dela morreu aos 35 anos e a mãe, com nove filhos e grávida de mais um, resolveu doar um deles. Na época, a adoção não tinha a mesma regulamentação dos dias atuais.
Uma família conhecida deles escolheu Cleusa por ser a menor. Ela tinha apenas dois anos.
“Ela [a mãe biológica] achou que ela dando eu para aquele casal ia melhorar minha vida, né? Mas não foi isso, não […] Com essa família eu não tive momentos bons, foi só uma vida de sofrimento”, diz.
Atualmente, a Lei da Adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inclui a chamada “entrega voluntária”, quando a gestante ou a mãe pode entregar o filho recém-nascido para adoção em um procedimento assistido pela Justiça da Infância e da Juventude.
No processo, a lei garante resguardar a vida e a integridade física e psicológica da criança. Além disso, os genitores que entregam os filhos para adoção na Vara da Infância e Juventude não são responsabilizados pelo ato.
Cleusa da Silva Batista, de 60 anos.
Arquivo pessoal
Começo dos abusos
Cleusa conta que era privada de muitas coisas pela família adotiva, como não ter podido completar os estudos no ensino fundamental, além de ter sido agredida fisicamente.
Mais tarde, quando Cleusa tinha seis anos, os familiares se mudaram para Curitiba.
O que deveria ter sido um lar seguro se transformou em um pesadelo quando, aos dez anos, ela passou a ser abusada sexualmente pelo pai adotivo.
“Ele era pedófilo e aí, de lá para cá, eu me arrastei no sofrimento. Hoje eu superei todo aquele sofrimento. Tinha mágoa, muita mágoa daquele casal, porque eles me julgaram, me maltrataram”, lembra.
A família tomou conhecimento dos abusos sofridos pela menina. Porém, isso virou mais um capítulo de sofrimento para a criança.
Quando a família se reuniu para discutir o que fariam com a menina, ela relata que foi para rua chorar e perguntava ao pai se ia morar na rua.
Cleusa relata que foi julgada e abandonada pelos familiares. “Eu era o monstro da família, não ele [o pai]”, afirma.
O pai adotivo decidiu deixar a esposa, afastar Cleusa da família, e levar a menina para viver só com ele. Com uma diferença de idade de cerca de 48 anos entre eles, a relação se tornou ainda mais desigual, deixando Cleusa presa em um ciclo de abusos e silêncio.
“Eu vivi dez anos com o meu pai, como mulher dele, e tive as minhas duas filhas. […] Tinha idade pra ser neta dele. […] Ele me adotou, eu acho que já com aqueles maus pensamentos”, fala.
Depois disso, segundo ela, ninguém da família a procurou e nem a ajudou a sair daquele ambiente abusivo.
“Tanto os meus irmãos como essa minha mãe de criação me abandonaram, me deixaram de lado como se eu fosse errada ainda”, lembra.
Cleusa da Silva Batista e filhas pequenas, em Curitiba
Arquivo pessoal
Como sobreviver?
Cleusa conviveu com o abusador até os 20 anos de idade. Ele morreu aos 68 anos após um câncer. Ela ficou com uma filha de pouco mais de um ano e outra com dois meses de vida, sem qualquer apoio de familiares.
“Aí ele morreu, eu fiquei sofrendo com as minhas filhas. Mas fui trabalhar e fui aprendendo. Levantei a cabeça e segui em frente”, conta.
Mãe e filhas encontraram muitas dificuldades financeiras. Ela relembra que diversas vezes não tinha dinheiro para pagar o aluguel ou comprar comida suficiente para elas.
Cleusa ressalta que a vida mudou depois de conhecer o novo marido.
“Ele foi uma salvação na minha vida, porque eu com duas crianças não sabia trabalhar, não sabia me virar, estava passando necessidades… Falta de leite, de comida, de tudo. Rolando pra lá e pra cá, sofrendo”, relata.
Ela viveu com ele por 18 anos e teve mais dois filhos. Há 20 anos, o marido de Cleusa morreu de infarto, mas ela relembra com muito carinho do companheiro.
Pior cenário desde 2019
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Paraná registrou 3.229 casos de estupro e de estupro de vulneráveis de meninas e mulheres no primeiro semestre de 2023. Comparado com o mesmo período de 2022, o aumento foi de 19,6%.
O número no Paraná, em 2023, também é o maior registrado desde 2019. Veja:
Número de estupros e estupros de vulnerável
Canais de denúncia no Paraná
A Polícia Civil do Paraná (PC-PR) ressalta que mulheres vítimas de violência doméstica, familiar ou sexual podem fazer a denúncia nos seguintes canais:
Boletim de Ocorrência Online;
Atendimento Presencial em uma delegacia da Polícia Civil ou Delegacia da Mulher mais próxima;
Telefones e endereços das delegacias. Confira neste link;
Central de Atendimento à Mulher – Número 180;
Patrulha Maria da Penha – Número153;
Violência
Marcelo Camargo/Agência Brasil
*Com colaboração de Maria Pohler, estagiária do g1 Paraná.
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