Forte cultura da emigração moldou a identidade de Governador Valadares, que hoje é um mosaico de tradições e histórias. Cidade completa 87 anos nesta quinta-feira (30). Visão panorâmica de Governador Valadares
Fábio Monteiro
Governador Valadares, cidade localizada no Leste de Minas Gerais, celebra, nesta quinta-feira (30), 87 anos de emancipação com uma história rica e multifacetada, que inclui desde a influência norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial até a consolidação como “capital mundial do voo livre”.
Conhecida como “Valadólares” devido à alta emigração de seus moradores para os Estados Unidos, a cidade carrega em sua trajetória marcas profundas de intercâmbios culturais, econômicos e sociais.
A influência americana e a Segunda Guerra Mundial
A história de Governador Valadares ganhou destaque global durante a Segunda Guerra Mundial, quando a cidade se tornou um ponto estratégico para os aliados, principalmente os Estados Unidos. A necessidade de substituir a mica, um minério essencial para a indústria elétrica, eletrônica e de aviação, fez com que os americanos se estabelecessem na região.
Haruf Salmen Espíndola, doutor em história econômica pela USP, explica que a mica, também conhecida como malacacheta, era originalmente fornecida pela Índia, mas o bloqueio naval alemão interrompeu o abastecimento. Com a descoberta de ricas reservas do minério na região de Valadares, os norte-americanos montaram toda uma infraestrutura de extração, transporte e beneficiamento, incluindo a construção de estradas e a introdução de veículos como jipes.
“A mica era fornecida pela Índia, só que os submarinos alemães interceptaram esse fornecimento. Governador Valadares era rica nesse minério, então os americanos vieram para cá e estabeleceram toda uma indústria da mica.”
Mais de 80% da mica utilizada pelos aliados durante a guerra foi exportada a partir de Governador Valadares, consolidando a cidade como um polo estratégico. A presença americana também se fez sentir na criação da Companhia Vale do Rio Doce, atualmente conhecida como Vale S.A., que contou com apoio técnico e financeiro dos Estados Unidos para a exploração e transporte de minério de ferro.
A empresa americana responsável pela reforma da Estrada de Ferro Vitória-Minas, liderada por Mr. Simpson, deixou um legado duradouro na região. Simpson, que também fundou o Rotary Club local, foi homenageado com o Viaduto Mr. Simpson, que liga o Centro aos bairros Altinópolis, Santo Agostinho e Grã-Duquesa.
Além disso, a presença americana trouxe avanços significativos no saneamento básico da região. Com o apoio do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado com recursos e tecnologia dos Estados Unidos, a cidade e o Vale do Rio Doce viram a erradicação de doenças como malária e febre amarela, além da construção de redes de água e esgoto, que se tornaram referência no Brasil na época.
A cultura da imigração e o fenômeno “Valadólares”
Praça do Emigrante, em Governador Valadares
Inter TV dos Vales
A influência americana não se limitou ao período da guerra. A partir dos anos 60, Governador Valadares se tornou um dos principais polos de emigração para os Estados Unidos. O contato com os norte-americanos durante a guerra despertou o interesse dos valadarenses em conhecer o “sonho americano”. Inicialmente, jovens partiam em intercâmbios para aprender inglês e vivenciar a cultura local, mas logo a migração se tornou uma estratégia para ganhar dinheiro e melhorar de vida.
Nos anos 70, muitos valadarenses retornavam com recursos para abrir negócios ou comprar imóveis, incentivando ainda mais a emigração. A crise econômica dos anos 1980 acelerou esse movimento, transformando a cidade em um dos maiores exportadores de mão de obra para os EUA.
A cultura da emigração se expandiu nas décadas seguintes, com destinos diversificados como Portugal, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Nova Zelândia.
Hoje, a migração não é mais apenas individual ou temporária: famílias inteiras partem com a intenção de se estabelecer definitivamente no exterior.
“[…] se somar o número de habitantes que tinha na região em 1960 e comparar com o que tem hoje, era para ter muito mais, mais do dobro de habitantes.” afirmou Haruf.
No coração da cidade, em frente ao shopping, está a Praça do Emigrante, um espaço dedicado a homenagear os milhares de valadarenses que deixaram sua terra natal em busca de novas oportunidades no exterior. A praça simboliza a importância da migração na formação da identidade da cidade e serve como um local de reflexão e orgulho para as famílias que têm parentes vivendo em outros países.
A conexão com os Estados Unidos vai além da migração. Nas duas últimas eleições presidenciais americanas, de 2020 e 2024, Governador Valadares surpreendeu ao se tornar um palco inusitado de manifestações políticas.
Outdoor em Governador Valadares após a derrota de Donald Trump em 2020
Inter TV dos Vales
Valadarenses, muitos dos quais possuem dupla cidadania ou familiares vivendo nos EUA, colocaram outdoors pela cidade apoiando candidatos à presidência americana. Esse fenômeno ilustra a forte conexão que a comunidade mantém com os Estados Unidos, mesmo a milhares de quilômetros de distância.
Economia pesou no apoio de imigrantes valadarenses à eleição de Donald Trump, nos EUA
Em Governador Valadares, outdoors em apoio a Donald Trump e a Kamala Harris no período eleitoral dos EUA em 2024.
Sueli Siqueira/Acervo Pessoal
Capital mundial do voo livre
Fly UAI Governador Valadares
Fábio Monteiro
Além de sua história ligada à mineração e à migração, Governador Valadares é reconhecida como a “capital mundial do voo livre”. A cidade atrai entusiastas do parapente e asa-delta de todo o mundo, devido às suas condições climáticas e geográficas ideais para a prática do esporte.
Valadares já sediou campeonatos internacionais, incluindo o Mundial de Parapente, consolidando sua reputação como um dos melhores destinos do mundo para os amantes de esportes aéreos.
Uma cidade formada por imigrantes
Viaduto avenida Minas Gerais, Governador Valadares
Leonardo Moraes
A formação de Governador Valadares está ligada à imigração. Desde sua fundação, a cidade recebeu pessoas de diversas regiões de Minas Gerais, além de imigrantes do Espírito Santo, como descendentes de italianos e alemães. Essa diversidade cultural moldou a identidade da cidade, que hoje é um mosaico de tradições e histórias.
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