Defensoria pediu reabertura de processo partir do reexame das provas feitas pelo Projeto Mirante, grupo multidisciplinar subsidiado pelo Ministério da Justiça. Ministério Público, em nota, diz que Defensoria Pública não possui atribuição legal para realizar investigação que foi arquivada por decisão judicial. Vídeo mostra reconstituição 3D das mortes de Emily e Rebecca
A Defensoria Pública fez um vídeo com uma reprodução simulada em 3D tentando contar como ocorreram as mortes das meninas Emily Victória da Silva e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, em Duque de Caxias em 2020. A instituição pediu a reabertura do processo, que foi arquivado em 2022.
A análise se dedicou, principalmente, a tentar determinar se o disparo poderia ter partido ou não de dentro da viatura policial.
“A revisão de toda investigação apontou várias inconsistências. É um sofrimento muito grande para os familiares que passam por dificuldades de saúde grave por causa dessa tragédia e agora, com essa revisão das provas, há uma esperança de que possam realmente conhecer a verdade sobre o que aconteceu naquele trágico dia”, afirmou André castro, coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria.
“Com base nessas novas evidências e as novas provas que foram produzidas em todo esse trabalho de revisão feito pelo Projeto Mirante , nós preparamos um documento e enviamos ao MP que é o órgão responsável por decidir por uma reabertura das investigações”, pontuou.
Defensoria fez vídeo 3D para tentar entender o que aconteceu com Emily e Rebecca
Reprodução/TV Globo
Nesta quarta-feira, parentes e amigos foram à porta do Ministério Público para pedir que as investigações sejam retomadas. Emily e Rebecca foram atingidas por um único tiro de fuzil quando brincavam na porta de casa, num dos acessos da favela do Sapinho, em Duque De Caxias.
“Para mim foi uma injustiça ter acontecido isso, e até hoje, quatro anos depois, a gente não tem resposta nenhuma”, disse Renata dos Santos, mãe de Rebecca.
Rebecca Santos, 7, e Emily Victória da Silva, 4, atingidas por um disparo de fuzil, calibre 7,62, em 4 de dezembro de 2020
Reprodução
Emily, então com 4 anos, foi atingida na cabeça. Rebecca, de 7 anos, no peito.
“Eu me pergunto: o que elas fizeram de errado”, afirmou Lídia dos Santos, avó de Rebecca.
“Eu quero Justiça, e eu vou conseguir essa justiça”, definiu a mãe de Emily, Ana Lúcia Silva.
Ministério Público contesta pedido
Procurado, o Ministério Público afirmou que a Defensoria não tem atribuição legal para realizar investigação em inquérito policial que foi arquivado por decisão judicial, e classificou a conduta da instituição como “ilegal”.
O Ministério Público classificou a conduta como ilegal e que compromete a atuação dos profissionais que estão trabalhando no processo, e que essa recusa insinua que Polícia Civil, os peritos, o MP e o judiciário propositalmente estão direcionando as investigações.
O órgão afirmou ainda que a postura da Defensoria Pública é contraditória porque ela própria participou das investigações e da reconstituição do crime.
Procurada, a Defensoria Pública afirmou que o procedimento de investigação é legal e que é comum ser utilizado quando surgem novas provas.
Versão da família
Famílias e vizinhos sempre disseram que o disparo foi feito por policiais militares do 15º BPM (Duque de Caxias). Os PMs sempre negaram o envolvimento com o caso. As investigações da Polícia Civil e do Ministério Público levaram a outra direção e a apuração foi arquivada.
Os traficantes Leandro Santos Sabino, conhecido como Trem, e Lázaro da Silva Alves, o Mestre, chefes do tráfico na região, foram apontados como responsáveis pela morte de Emily e Rebecca.
O documento afirma que vigias do tráfico avistaram a viatura da PM na Avenida Gomes Freire, e os mandantes ordenaram que matassem os agentes. Os responsáveis pelos disparos ainda não foram identificados.
Peritos do Mirante reconstruíram o cenário da comunidade do Sapinho com Emily e Rebecca em 3D
Reprodução
Treze dias depois do crime, a perícia da Secretaria de Polícia Civil do RJ analisou a bala encontrada no corpo de Rebecca, mas o laudo foi “inconclusivo”. O resultado descartou a possibilidade de a bala ter saído de um fuzil calibre 556, como mostrou uma reportagem da TV Globo.
Em seu pedido, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), da Defensoria alega que o surgimento de fatos novos possibilita pela lei o desarquivamento do caso. Na petição, os defensores André Castro e Maria Júlia Baltar da Rocha não tem dúvida em afirmar que o tiro que atingiu as meninas possa ter sido dado por um policial:
“A análise técnica dos fatos revela, sem margem de dúvida, a existência de elementos mais do que suficientes para se apontar a responsabilidade dos agentes de estado pelo disparo de arma de fogo que vitimou as crianças Emily e Rebecca”
Para se chegar a esses fatos, o Nudedh pediu apoio ao Projeto Mirante, grupo multidisciplinar formado por peritos, professores, pesquisadores com sede na Universidade Federal Fluminense (UFF) e que é subsidiado pela Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O Nudedh e o Mirante apontam algumas lacunas no processo:
A apuração: No Registro de Ocorrência há a informação de que um perito foi ao local. Já no processo há a informação de que a perícia não foi realizada por possuir alta possibilidade de um confronto;
Perícia: Na reprodução simulada feita pela polícia, chegou a se usar dois manequins no lugar das crianças com um deles em cima de uma caixa, sem indicar a altura das meninas. Rebecca era maior que Emily. Mas a posição dos manequins era diferente do que foi dito pelas testemunhas;
Armas: As meninas foram atingidas por um mesmo disparo, o de uma arma com calibre 7,62. No livro do batalhão, foram encontradas imprecisões das armas portadas pelos policiais. A numeração não era a mesma e o livro estava rasurado.