19 de outubro de 2024

Vigilância Sanitária confirma irregularidades em clínica de Belém que fez pacientes perderem globo ocular após cirurgias

Entre as inconformidades está o não cumprimento dos protocolos de segurança do paciente, como higienização das mãos para controle de infecções. Evolução da infecção da paciente idosa após a cirugia de catarata na clínica.
Arquivo pessoal
Uma segunda vistoria da Vigilância Sanitária confirmou nesta sexta-feira (18) irregularidades e descumprimento de exigências na Clínica São Lucas que tinham sido exigidas na primeira vistoria.
A clínica promoveu no dia 1º de julho de 2024 um mutirão de cirurgias de glaucoma, catarata e outros problemas oculares que deixou 22 pacientes com infecções bacterianas – 16 pessoas dos 40 pacientes atendidos precisaram retirar olhos após o problema. O processo é apurado sob sigilo pela polícia.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informou que a clínica teve bloco cirúrgico interditado de forma cautelar temporária e também o Centro de Material e Esterilização (CME) da clínica, situada em Icoaraci, distrito de Belém.
De acordo com a Sesma, a interdição cautelar foi motivada pelas seguintes infrações sanitárias:
não cumprimento dos protocolos de segurança do paciente, como a higienização das mãos para controle de infecções;
falta de comprovação do reprocessamento (limpeza e esterilização) dos instrumentais levados pelos médicos para realização dos procedimentos cirúrgicos na clínica;
e estrutura física incompatível com o número de cirurgias realizadas.
A Sesma informou ainda que “o bloco cirúrgico e o CME permanecerão interditados até que sejam atendidas as exigências da autoridade sanitária municipal”.
A Polícia Civil do Pará disse, em nota, que o caso foi encaminhado à Delegacia do Consumidor (DECON), vinculada à Divisão de Investigação e Operações Especiais (DIOE), que solicitou perícias e está ouvindo testemunhas.
Em nota, a clínica informou que atua de forma regular, que “cumpre os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar, visando minimizar os riscos de contaminação” e que está trabalhando com especialistas e autoridades para investigar e prestar apoio aos pacientes” – veja a nota completa ao final.
Infecções
Mais de 20 pacientes têm sequelas após cirurgia em clínica oftalmológica em Icoaraci
A cozinheira Benedita da Costa está entre os 22 pacientes que sofreram infecções bacterianas após procedimentos cirúrgicos realizados em uma clínica oftalmológica, em Belém. Alguns dos pacientes chegaram até a perder o globo ocular.
“Passava muito mal, meu olho inflamava e eu voltava e quando eu cheguei lá encontrei relato de que muitas pessoas que estavam no mesmo processo que o meu. A maioria já estava com amputação”, disse.
Benedita participou no dia 1 de julho de 2024 do mutirão de cirurgias na travessa Itaboraí, em Icoaraci.
No dia seguinte ao procedimento, ela começou a sentir dores e foi quando a cozinheira resolveu voltar à clínica, que se apresenta nas redes sociais como especialista em oftalmologia e atua em convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS).
“(Eles informaram) que poderia ser um de nós que tivesse levado a bactéria ou nós mesmo dentro de casa sem saber cuidar direito que poderia ter pegado a bactéria”, ela lembra.
O Conselho Regional de Medicina (CRM) informou que o local tinha autorização para funcionar e que investiga a conduta ética dos profissionais. Já a Polícia Civil apura se houve exercício irregular da medicina.
“Eu não saio de casa desde que me operei. Eu não vou ao supermercado, eu não vou à feira, eu não saio pra canto nenhum, eu fico completamente isolada dentro de casa”, lamenta Benedita.
Perda do globo ocular
De acordo com Cássio Souza, advogado de 11 das vítimas, 16 pessoas destes 40 pacientes atendidos precisaram retirar olhos, sendo que cinco deles são defendidos pelo próprio advogado.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informou que foram dois dias de procedimentos, sendo que um deles resultou nas reclamações dos pacientes.
“No dia 12 de junho, foram atendidos 41 pacientes, dos quais dois tiveram intercorrências. No dia 1º de julho, foram realizadas 40 cirurgias de catarata, e 22 pacientes apresentaram intercorrências”, informou a Secretaria em nota.
As vítimas afirmaram que os primeiros sintomas da infecção surgiram poucos dias depois das operações.
Outra paciente que também precisou amputar um dos olhos é Albanise Soares, de 65 anos, diagnosticada com catarata por meio do SUS, que a encaminhou para realizar a cirurgia pela clínica.
A filha revelou que a clínica São Lucas estava suja, com lixo e até uma barata morta no chão. “Minha mãe relatou que o pano cirúrgico colocado no rosto dela fedia muito”, disse.
Imagens de dentro da clínica mostram sujeira no chão e barata morta.
Arquivo pessoal
Após a cirurgia, a idosa tinha sintomas de infecção bacteriana e precisou, dois dias depois, fazer um transplante de córnea para tentar salvar o olho esquerdo. O procedimento foi feito em outro local e particular. Apesar da tentativa, a paciente não conseguiu recuperar a saúde do olho e precisou amputá-lo.
“Eu passei pela cirurgia, fiz limpeza umas duas vezes e não deu certo, tive uma dor intensa que não passava mesmo tomando remédio”, relatou sobre as complicações após a cirurgia.
“Fiz o transplante de córnea que também não deu certo por causa da bactéria. O que aconteceu? Tive que fazer a retirada do olho por conta dessa bactéria”, afirma.
“A minha mãe vai usar uma prótese. A vida dela nunca mais vai ser a mesma. Eu tenho uma mãe que tem medo de sair na rua. Ela era uma pessoa totalmente independente e agora ela depende dos filhos”, disse a filha da vítima.
O que dizem a Polícia e os órgãos fiscalizadores?
A Polícia Civil (PC) informou que a delegacia de Icoaraci apura o crime de exercício irregular da medicina e venda casada após acionamento do Ministério Público, e que outro caso registrado na delegacia da Pedreira também é apurado pela unidade de Icoaraci.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) disse que tomou conhecimento da situação ocorrida na Clínica São Lucas envolvendo os pacientes, os quais, após procedimento cirúrgico, ficaram com graves sequelas e que fiscalizou a clínica presencialmente nesta quarta-feira (16).
Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Pará, Lauro Barata, um relatório será encaminhado as autoridades competentes para adoção das medidas necessárias.
“Apareceram situações que nos deixaram preocupados, ou seja, a presença de formol envolto em gases jogados no chão, uma máquina de lavar dentro do centro cirúrgico, que não tinha até mesmo o preenchimento adequado e físico dos pacientes que tinham sido operados naquele dia, no autoclave não apresentava nada relacionado ao tempo de esterilização”, relatou sobre a visita do CRM no local.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) afirmou que a clínica será notificada em razão das ocorrências e que os serviços serão preventivamente suspensos. Afirmou, ainda, que a Vigilância Sanitária também esteve no local para realizar uma inspeção preliminar e, até o momento, não encontrou falha no fluxo regulatório.
A Vigilância Sanitária do município realizou uma inspeção preliminar no local na terça-feira (15), autuando o estabelecimento por três infrações até o momento: a não notificação dos eventos adversos à Vigilância Sanitária Municipal na época dos ocorridos, nos meses de junho e julho; a ausência de um núcleo de segurança do paciente; e a falta de registros de esterilização dos instrumentais cirúrgicos levados por médicos para a clínica.
Posicionamento da clínica
Em nota, o advogado que representa a Clínica e Maternidade São Lucas informou que as cirurgias não foram feitas por qualquer mutirão. Todas foram realizadas “a partir de prévias consultas médicas com todos os pacientes”.
A defesa da clínica disse que todas as cirurgias ocorreram no mesmo dia e que cada procedimento realizado durou de 10 a 15 minutos de duração.
O advogado ainda reforçou que o espaço atua de forma regular perante os órgãos de fiscalização e que “cumpre rigorosamente com os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar, visando minimizar os riscos de contaminação”.
“Estamos trabalhando em estreita colaboração com especialistas e autoridades em saúde para investigar cada caso individualmente e prestando todo o suporte necessário aos pacientes e familiares, inclusive em relação a pacientes com ações judiciais em curso”, pontuou.
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