Cantora segue trilho camerístico no primeiro disco ao vivo, captado em São Paulo em show que harmoniza as obras existencialistas dos dois compositores. Virgínia Rodrigues canta cinco músicas de Paulinho da Viola e cinco de Tiganá Santana nas dez faixas do álbum ‘Poesia e nobreza’
Marcus Leoni / Divulgação
Capa do álbum ‘Poesia e nobreza’, de Virgínia Rodrigues
Marcus Leoni
Resenha de álbum
Título: Poesia e nobreza
Artista: Virgínia Rodrigues
Edição: Edição independente de Virgínia Rodrigues
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Embora aparentemente situado em universos distantes e distintos, os cancioneiros dos compositores Paulinho da Viola e Tiganá Santana têm o lirismo existencial e filosófico como ponto de contato. Esse traço comum é realçado pelo canto lírico de Virgínia Rodrigues ao longo das dez músicas do álbum Poesia e nobreza.
Sétimo álbum da grande cantora baiana, lançado em 10 de maio com capa que expõe a artista em foto de Marcus Leoni, Poesia e nobreza é também o primeiro registro de show da discografia de Virgínia Rodrigues, cuja obra fonográfica contabilizava até então seis álbuns gravados em estúdio e lançados entre 1997 e 2019.
Não fossem um “boa noite” da cantora e as palmas da plateia que foi assistir ao show captado na Sala Itaú Cultural, na cidade de São Paulo (SP), em 26 e 27 de agosto de 2023, Poesia e nobreza poderia até passar por disco feito em estúdio tamanho o apuro técnico da gravação mixada por Gustavo Lenza e masterizada por Felipe Tichauer.
Já na primeira música, Cantoria (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1989), fica claro que Virgínia Rodrigues transpôs o cancioneiro de Paulinho da Viola – guardião modernista das tradições do samba e do choro – para uma sala de câmera em atmosfera sóbria na qual Fabiana Cozza, convidada de Retiro (Paulinho da Viola, 1983), se ambienta muito bem.
Sob direção musical de Ldson Galter, contrabaixista que assina os arranjos com o violoncelista Iura Ranevsky, a cantora dá voz a Paulinho e a Tiganá com o toque de banda formada por Fábio Leandro (piano), Cauê Silva (percussão), Jennifer Cardoso (viola) e Nádia Fonseca (violino), além de Galter e Ranevsky.
A pulsação inusual das cordas em A luz do oculto e o sol do sentimento (Tiganá Santana, 2010) ilumina o caminho seguido pela cantora, que se distancia do trilho mais óbvio ao abordar músicas como Num samba curto (Paulinho da Viola, 1971) e Para a poesia íntima (Tiganá Santana, 2010).
“Secar é o destino da flor”, reitera Virgínia Rodrigues, derramando poesia e melancolia em verso de Flor destinada / Effleurer Le Destin (Tiganá Santana e Leonardo Mendes, 2019).
A escolha do repertório mais introspectivo e poético foi bem feita, em fina sintonia com as intenções do disco. Nesse universo, Virginia Rodrigues faz emergir Cidade submersa (Paulinho da Viola, 1973), tema pouco ouvido da obra do compositor carioca.
Do cancioneiro de Tiganá Santana, diretor artístico do disco gravado com produção musical de Leonardo Mendes, a cantora reapresenta composições como Reverência (2010), música gravada por Virgínia com Jéssica Areias, cantora angolana, em feitio de oração em faixa que roça o sublime. Na sequência, Minhas madrugadas (Candeia e Paulinho da Viola, 1965) ganha a cadência de samba-canção.
O único problema do álbum Poesia e nobreza é o fato de a temperatura do disco permanecer a mesma ao longo das dez faixas, gerando a sensação de linearidade.
Mas isso é detalhe em álbum que faz jus ao título Poesia e nobreza quando chega ao fim com música de Tiganá Santana, Vida negra, eco da ancestralidade entranhada tanto na obra do compositor baiano quanto no canto lírico de Virgínia Rodrigues.