Filme é sobre mulher que levou a prisão de criminosos e PMs. Drama dirigido por Andrucha Waddington, que assumiu projeto após morte de Breno Silveira, estreia nesta quinta (13). “Vitória” chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13) com diversos bons motivos para ser visto. Mas, entre eles, o melhor e o mais poderoso tem nome e sobrenome: Fernanda Montenegro. A atriz, aos 95 anos, mostra que ainda tem uma vontade e fôlego para não só atuar, como entregar grandes performances.
O filme se inspira no caso real de uma mulher que ajudou a desmontar um esquema criminoso na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Vitória”, segundo filme Original Globoplay, é bem construído, conta com uma boa reconstituição de época e muitos momentos de tensão. Mas sua principal qualidade está na ótima construção de sua protagonista, não só por Fernanda, mas pelo roteiro.
Ela interpreta Nina, uma massagista veterana que vive num apartamento em Copacabana. Da janela de sua sala, ela começa a testemunhar crimes cometidos por bandidos que agem no local e tiram a sua paz e de outros moradores. Cada vez mais incomodada pela criminalidade, Nina resolve registrar as atividades criminosas gravando vídeos.
Assista ao trailer do filme “Vitória”
Ao levar suas fitas numa delegacia, ela inicialmente não é levada a sério pela polícia. Mas as coisas mudam depois que o repórter Flávio Godoy (Alan Rocha) se interessa pelo material e convence Nina a levar adiante sua denúncia. Mesmo com suas vidas em risco, eles não desistem de levar os bandidos à Justiça.
Uma estranha no ninho
Além da magnética atuação de Fernanda Montenegro, “Vitória” conta com um bom roteiro, escrito por Paula Fiuza. O projeto ainda tem a colaboração de Breno Silveira, a quem o filme é dedicado. O diretor de “2 Filhos de Francisco” estava no comando da produção quando morreu após um ataque cardíaco.
O texto, inspirado no livro “Dona Vitória Joana da Paz”, de Fábio Gusmão, acerta em ressaltar a coragem da protagonista. A personagem tem suas atitudes justificadas pela sensação de que não consegue se adequar ao ambiente cada vez mais dominado pela criminalidade.
A protagonista também é construída a partir de seu apego a Marcinho (Thawan Lucas), um menino de rua que a ajuda em algumas tarefas. Ele é o único que costuma frequentar seu apartamento, mesmo sendo visto com desconfiança por outros moradores.
Fernanda Montenegro e Thawan Lucas numa cena de ‘Vitória’, inspirado numa história real
Divulgação
Vale destacar ainda a boa direção de arte que reconstitui o Rio de 2005. Ela resgata objetos e equipamentos utilizados há cerca de 20 anos, como TVs de tubo e câmeras de vídeo de VHS. Esse cuidado faz o público ser transportado para a história com mais facilidade.
Outro acerto da produção é o uso de cenas externas, que ajudam na caracterização de Copacabana e vão além das imagens de cartão postal de suas praias. No longa, o bairro aparece com suas ruas cheias de veículos, suas várias galerias comerciais e muitas pessoas nas calçadas. Isso ajuda a dar mais veracidade à “geografia” do bairro, mesmo que algumas locações sejam em outros lugares do Rio. As cenas que no apartamento de Nina são feitas em estúdio, mas o cenário é bastante realista.
A direção de Andrucha Waddington, que assumiu o cargo após a morte de Breno Silveira, é boa, porém trivial. Ele não traz grandes inovações e se mostra mais preocupado em entregar um trabalho eficiente, mas pouco marcante. No entanto, uma sequência envolvendo Nina e os traficantes da região onde mora consegue ser acima da média pela sua conclusão inusitada, graças à boa condução do cineasta, que também é genro da estrela do filme.
A glória de Vitória
Quem já conhecia a história que inspirou a realização de “Vitória” pode ter estranhado a escalação de Fernanda Montenegro para viver a personagem baseada em Joana da Paz, a mulher que realizou a denúncia contra bandidos e até policiais corruptos. Isso se deve ao fato de Joana ser negra.
Nina (Fernanda Montenegro) mostra ao Flávio (Alan Rocha) onde está o perigo no filme ‘Vitória’
Divulgação
Mas o fato é que, quando a atriz indicada ao Oscar por “Central do Brasil” foi escalada para o papel, ninguém sabia como ela realmente era, pois Joana estava no programa de proteção a testemunhas. Sua verdadeira identidade só foi revelada após sua morte em 2023. Ao assistir ao filme, é possível que essa questão seja esquecida ou fique em segundo plano. Como ser contra a escalação de uma protagonista com atuação tão irretocável?
Presente em cerca de 90% das cenas, é impressionante como Fernanda Montenegro rouba todo o filme para si. A sensação é a de que todos do elenco estão ali para serem “escada” da atriz. Mas a coisa boa é que todos parecem se sentir bem estando nessa posição.
A começar por Alan Rocha, que interpreta o alter ego de Fábio Gusmão (que também teve sua etnia trocada no filme). Ele consegue transmitir empatia e preocupação com a protagonista. A performance mostra de forma orgânica os riscos que a dupla tem que enfrentar.
Linn da Quebrada, que vive Bibiana, vizinha da corajosa massagista, tem bons momentos do filme, como a cena em que ela e Nina dançam e se divertem num bingo clandestino. Em parceria comovente, as duas convencem quando precisam mostrar como nasce a amizade das duas.
Já o menino Thawan Lucas, visto em “Mussum – O Filmis”, chama a atenção porque precisa dar conta de uma grande transição dramática em seu personagem. Inicialmente, ele tem com a protagonista uma relação de amizade que pode até lembrar a que foi estabelecida em “Central do Brasil”, por exemplo. Mas aos poucos, as coisas vão mudando e chegam a um ponto que até surpreende pelas situações que começam a surgir entre eles. Essa transição só funciona porque Fernanda e Thawan entendem a complexidade das escolhas que ambos tomam.
Depois da consagração de Fernanda Torres e “Ainda estou aqui” (com a marcante participação de Fernandona), que culminou com o Oscar de Melhor Filme Internacional, o cinema brasileiro vive uma empolgação natural com as duas Fernandas. “Vitória” se beneficia disso. Ao final, uma certeza deve vir à mente de quem assistir: somos sortudos por termos esta atriz entre nós.
Cartela resenha crítica g1
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